A invasão dos ratos chineses - V
Na manhã seguinte, começamos a investigar. Precisávamos de plantas e mapas para obtermos detalhes dos subterrâneos da cidade. Por isso ligamos para a Secretaria de Planejamento Urbano, mas o videofone tocou insistentemente, fazendo-nos desistir. Então Bogatio lembrou de um velho conhecido que trabalhava lá, o Chaves. Não foi difícil falar com ele e conseguimos marcar de encontrá-lo na Secretaria na hora seguinte. Ao chegarmos logo vimos Chaves, que nos aguardava na calçada, em frente ao acesso principal do prédio.
– Tudo está perdido com esses malditos ratos! – Foi a primeira coisa que ele disse.
– Não pense assim Chaves, são apenas ratos! – Bogatio falou.
– Apenas ratos? Estamos sendo expulsos por eles de nosso trabalho, de nossas casas, são monstros, isso sim. Mas qual a questão de vida ou morte que você falou? – O sujeito não parecia estar de bom humor, se é que houvesse espaço para algum humor naquelas circunstâncias.
– Precisamos de plantas, dos túneis, galerias, da rede de esgoto da cidade...
– Vocês querem muita coisa. Sabiam que temos mais de 60 quilômetros de túneis cortando a cidade? Que alguns deles percorrem a até 100 metros de profundidade? De qualquer jeito, não posso ajudar, não tenho permissão... Devia ter me avisado antes e não precisaríamos estar perdendo tempo agora. – Disse isso e já foi virando as costas, como se desejando sair o mais rápido possível dali.
– Chaves, vamos estudar o fluxo migratório dos ratos. Imaginamos que se existem tantos por aí, nas ruas, haverá muito mais nos esgotos, fora de nossa vista. Por isso sua ajuda será muito importante... – Eu disse enquanto ele se afastava, tentando controlar o tom de minha voz, que já tendia à irritação.
Chaves parou e notei que hesitou para responder. Percebemos que ele olhava para a grande porta que dava acesso à Secretaria, que estava obviamente fechada. Bem na frente dela havia um grande rato que parecia nos observar, imóvel, com seus olhos vermelhos brilhando sob a luz do sol, ameaçadores. Poderia até supor que ele estava guardando o local, como se desejasse impedir a entrada de intrusos.
Estávamos a menos de 15 metros dele e, de forma repentina, Chaves teve um ataque colérico, botando-se a berrar impropérios ao rato. Dedo em riste, ele gesticulava palavrões como um débil mental. O rato, por sua vez, primeiro eriçou os pêlos do rabo e depois, a passos decididos, colocou-se em marcha em nossa direção.
– Não corra que é pior. – Recomendou Bogatio.
Mas Chaves correu. E o rato também, em seu encalço. A cena foi rápida, quase não deu tempo de eu sacar a Handgun e evitar que o bicho grudasse seus afiados dentes em sua perna. Apenas no segundo disparo ele parou, emitindo um som estridente e esperneando de forma frenética pela calçada. À breve cena tétrica seguiu-se outra, dramática: Chaves retornou de onde estava – ele já tinha corrido por uns 20 metros – e, num acesso de fúria e valentia, passou a aplicar sucessivos pontapés no animal:
– Isso, morra seu maldito! Morra! Morra! – Ele gritava bestialmente.
– Chega, Chaves, ele já está morto. – Disse Bogatio, em tom firme.
– É, mas esses monstros têm que morrer devagar... sofrendo... – Disse ele, como um demente, ofegante, aplicando ainda mais alguns golpes no que se transformara num grande bolo de pêlos brancos cobertos de manchas avermelhadas.
Esperei ele terminar e se recompor um pouco para, enfim, tirar proveito da situação:
– Chaves, nós não temos nenhum interesse no que pedimos senão para fazer alguma coisa contra esses ratos. Temos tanta raiva deles quanto você e, por isso, não podemos ficar de braços cruzados. E você não faz idéia do quanto precisamos que nos ajude. – Ele pensou por alguns instantes mas acabou concordando.
Minutos depois, permitiu-nos fazer uma cópia de milhares de documentos, entre mapas, plantas e imagens, em formato digital. E, quando saímos, havia outro rato ao pé da porta, mas esse foi rapidamente arremessado à rua sob um belo e certeiro chute de Bogatio.