A Transformação - Capítulo I
A fumaça subia em emaranhados e desenhos exóticos. Gotas de orvalho espargiam-se sobre o corpo negro do Guardião, violão nobre, companheiro. Na verdade, quase um irmão. Nos últimos 520 anos, poucos amigos tive, e em 17, apenas ele serviu-me de amigo e confidente.
520 anos. Os mortais ficariam chocados se soubessem de minha peregrinação pelo planeta! Eu mesmo ainda não me refiz! Pouco consigo entender de minha própria condição imortal. Como aconteceu? Sei lá, não me agradava reviver aqueles delhalhes tão sórdidos...
Apenas me lembro daquele funesto encontro nas Docas do Pelourinho. Ah, quanto não pagaria para ter uma segunda chance. Reencontrar aquela criatura-mulher, que trouxe, em seus lábios deliciosamente convidativos, a cicuta que destruiria minha mortalidade. Assim foi. Ela simplesmente fez, sem pedir permissão alguma! Era linda! Ígneos cachos caiam-lhes nos ombros. Olhos de um azul profundo e imemorável, hipnóticos. Pequena, charmosa. Uma rara escultura em marfim! Fiquei surpreso ao vê-la entrar no bar, dar uma passada de olhos e vir corcoveando em minha direção, num tubinho negro, com strass no decote. Um show! Era minha noite de sorte?!!
Que noitada! Apaguei nos braços e no berço daquela mulher...
(Ah, travei... a caneta está há horas adormecida sobre o papel...
Um abraço, volto depois...)
(THERA LOBO - 20-08-09)