Sem Volta
Duas voltas para a esquerda. Tinha mais alguma coisa que não lembrava. Mas esta parte em específico não conseguia esquecer, até porque lhe haviam frisado bastante: “Duas voltas para a esquerda”.
E ali estava ele, no meio do mato. Perdera-se naquele lugar em busca do corpo do irmão.
Algumas horas atrás, jantava junto à sua família. O mesmo arroz e feijão de sempre, cozidos nas únicas panelas que se encontravam em seu barraco. Foi quando recebeu a notícia.
Desceu a favela correndo. Era seu único irmão. Pela diferença de idade que existia entre os dois, ele o tinha como um filho. E agora estava morto. Não conseguia aceitar.
Desceu, pelas vielas, como um raio. Dos seus olhos, lágrimas e indignação. Tratava-se de um acerto de contas. Seu moleque tinha sido assassinado. Depois de tudo que ele havia feito. Não havia mais dívida a ser paga; e mesmo assim, havia sido morto, o seu garoto. No seu peito, o vazio e confusão, num híbrido poético de dor e tristeza. De fazer qualquer sambista se emocionar.
Desceu, através de um vale. Donde alma quase nunca retorna. Fundo. Dentro de sua própria dor. Cedeu à sua fraqueza. Uma das poucas que tinha. O amor pelo irmão.
Fazia dois dias, que já se encontrava sumido na mata. Procurava o corpo do seu quase filho. Guiado por uma voz, que acreditava ter ouvido ali por perto. Vindo da própria mata. “Duas voltas para esquerda”, dentre outras coisas; ele seguia a fio o que conseguia lembrar. Sem saber ao certo que lado era direita ou esquerda, ou quantas vezes já tinha dado duas voltas, ou mesmo, que já tinha encontrado, o que não procurava - O inferno.
No barraco, a triste imagem de sua mulher e filhos, rezando ajoelhados. Duas velas acesas e nenhum sinal de esperança, em qualquer parte daquela favela.
“O lê lê. O la la...”.
Do outro lado da cidade, o carnaval. Era fevereiro.
Gregorio Borge