A invasão dos ratos chineses - II
Em 2051, a China chegava à marca de 3,2 bilhões de habitantes. Tendo aderido completamente ao regime capitalista e democrático, em 2023, tornou-se a primeira economia do mundo, bem como a maior potência bélica e tecnológica, apesar de enfrentar o problema da superpopulação. Era o país das maiores megalópoles e o excesso de gente começava a se tornar um grande incômodo. Por isso, por volta de 2040, teve início o êxodo chinês, quando anualmente milhões de chineses passaram a emigrar para países de pouca densidade demográfica da América latina, sobretudo o Brasil.
Em 2045, por vias diplomáticas, o Itamaraty passou a intervir com maior rigor quanto à entrada de estrangeiros no país, buscando negociar limites, tornando-se prática comum a deportação, até que, em 2050, o governo decidiu fechar definitivamente as fronteiras para imigrantes. Em razão disso, a China considerou que o Brasil era um país não solidário a problemas de ordem internacional, cortando relações diplomáticas com o país. A ruptura causou rumores sobre um eventual conflito e a ONU passou a intervir, desejando evitar qualquer retaliação chinesa. Juntamente com a Índia, um aliado chinês que tinha perfil econômico e populacional semelhante, a China vinha sendo considerada como um país de potencial ameaça à ordem mundial. Uma terceira guerra mundial envolveria o planeta contra a Índia e a China, sendo que essas últimas representavam quase a metade da população mundial, dominavam a tecnologia nuclear, além de serem os maiores fornecedores de armas do planeta. Por isso, a Onu pisava em ovos ao tratar de assuntos delicados com a China. O Brasil também.
Foi sobre isso que eu e Ken conversamos naquela tarde. Sem dúvida, um assunto muito denso para fazer parte de uma mesa de bar, mas era a coisa mais importante e preocupante da semana, do mês, do ano, e não poderíamos evitá-lo. Ao fim da quarta garrafa de cerveja me despedi e tomei o rumo de casa. Ao chegar, liguei o PP e, no canal de notícias, fiquei perplexo com uma matéria ao vivo sobre ratos destemidos andando pelas ruas de várias capitais do país. As cenas se alternavam, exibindo os roedores caminhando calmamente pelas calçadas, dividindo espaço com os pedestres. Algumas pessoas foram entrevistadas e notei que os seus relatos eram parecidos com o meu. E, tal como eu, ninguém tinha feito nada aos bichos, com exceção de um rapaz que, na tentativa de chutar um rato, mal conseguiu levantar o pé, pois o bicho pareceu voar e, de forma impressionantemente rápida, grudou os seus dentinhos afiados na sua perna. Logo depois informaram que o coitado parou num hospital. Já o rato continuou o seu passeio como se nada tivesse acontecido. Outro rato foi filmado caminhando e, quando o câmera se aproximou dele, o bicho parou e olhou de forma fixa para a lente. Era o mesmo olhar sinistro e ameaçador que eu tinha visto. Era de dar medo.
Liguei para Ken.
– Ligue o PP, no canal de notícias, agora.
Ele ligou.
– Cara, o que está acontecendo?