A última reunião

Era um pesadelo, disso não tinha dúvidas.

Nada faz muito sentido, mas uma coisa é certa: Eu não deveria estar aqui.

Vocês não entendem. É uma situação extremamente incômoda e está me enlouquecendo.

Até quando isso vai continuar?

Estão todos aqui. Todos.

Apesar de ninguém ter me visto ainda, já sinto todos os olhares me cortando na nuca.

Claro que tem uns caras que nunca vi na vida, mas conheço aqueles desgraçados rindo lá no fundo.

E lá está ela, a Carla.

Parece mais madura, mas ainda tem o mesmo olhar triste com o qual se despediu de mim da última vez.

E aquela junto dela, é minha filha que não via há mais de 10 anos.

Puxa, já é uma linda moça. Como deve ser difícil mantê-la protegida sem ter o pai por perto.

Aliás, será que vai ter alguém que as tratem tão bem quanto elas merecem? Será que vai ter alguém que vai ser mais homem do que eu?

Desculpe, colega, mas no momento não preciso de nenhum ombro amigo, nem de nenhuma bosta de consolo.

Sei que nunca fui um cara legal, mas não me arrependo de nada, está bem?

Eu bebia sim, e às vezes até exagerava.

Vocês nem imaginam como era duro ser tratado como lixo, e depois ganhar uma vergonha que não pagava nem o feijão até o final do mês.

E quando meu corpo começou a ficar pesado, e de vez em quando as ideias embaralhavam, pensei que era só cansaço. Mas minhas mãos já não paravam de tremer quando fui mandado embora.

Ninguém me falou, mas eu sabia que estava morrendo. Lento, aos poucos, a cada cigarro.

Mas eu ainda tinha um tempo. Mesmo cheio de dívidas, precisava comprar um sapatinho novo para minha filha. Era a festinha dela.

Foi quando o tiro que deveria acertar o corno do guarda, acabou atravessando aquela grávida. Foi puro azar mesmo.

Ah, mas não importa mais. Agora já não tem volta.

Fico eu aqui, morto. Tentando lembrar, se alguma vez, consegui fazer alguma coisa certa nessa vida.

Miguel do Lucari
Enviado por Miguel do Lucari em 09/08/2009
Reeditado em 21/11/2009
Código do texto: T1745522
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