Poder pelo avesso

Poder pelo avesso

Caminha com fisionomia séria no meio do bulício, impregnado do cheiro da multidão, que ocupa todos os espaços; surpreende-se, diante de um vidro espelhado, com seu ricto facial; como se estivesse vivendo o terror da solidão no meio de tanta gente; um ponto cinza na areia de uma praia interminável e de horizonte melancólico, esbatido pela espuma fina que fica no ar; um contraste entre o sol e as mínimas gotas de água salgada dispersas em aerossol. Sensação estranha, do poder pelo avesso, de querer estar ali, de querer que as mentes se misturem, numa impossibilidade antiecumênica; algumas anotações; a cor do céu avermelhada, azulada, esbranquiçada...Vários matizes captados pela retina quase cansada; as mãos quase trêmulas, sem forças para segurar o lápis e o papel. De fato, não escreve; desenha com os dedos, as letras compondo palavras, ininteligíveis à multidão, como se fossem apenas maneios ou tiques nervosos...Querer dizer-se, (!) querer mostrar-se, querer sentir-se; querer que o pesadelo se desfaça, sem ter forças, sem poder, sequer, apertar o passo; sem poder, sequer, apertar o passo? Flutua entre a multidão, sobre a multidão, como partículas ionizadas que se repelem... Gosta das multidões. Cumpre-lhe repetir até a mente se apagar, para que se possa convencer! Caminha, como caminhou pelas areias da praia, pelos becos e vielas da cidade grande; pelas galerias esquálidas e nauseabundas da arte. Não sei porque caminha tanto, que tanto busca, que tanta busca, que tanta fuga, que tanta fome; que tanta fome? Sua respiração é normal, é calma; não tem suor, não tem ansiedade; suas mãos são firmes e seu olhar penetrante; às vezes, nem tanto! Sua face é de cera, sem um esgar; seu passo é firme; às vezes nem tanto! Não tenho nenhuma explicação para lhes dar; nenhuma!