RESQUÍCIOS DE MEU SUICÍDIO - I
Quando o fluxo léxico irrompeu de minha boca, poderia ter me recordado de Cecília Meireles:
“ Não digas onde acaba o dia
Onde começa a noite
Não fales palavras vãs
As palavras do mundo
Não digas onde começa a terra
Onde termina o céu
Não digas até onde és tu
Não digas desde onde é Deus
Não fales palavras vãs
Desfaze-te da vaidade triste de falar
Pensa, completamente silencioso
Até a glória de ficar silencioso
Sem pensar”
Continuei dizendo:
— Cale a boca! Você é um lixo!
Para não me ouvir dizendo, elevou o som do rádio.
Nem Beatles calou-me.
Toda a cultura pop impede que eu queira renunciá-la.
Me perguntas a razão de renascer justamente quando o penhasco me engole. Tenho vinte e sete; morro como Rock Star, vindo de um vazio anterior.
Grito agora.
Sou perverso, pervertido.
A voz da criança que me chama — em razão de parentesco — é distante, pois quero sua idade.
Engolido pelo vácuo, renasço.
A voz ecoa ainda, mas morri como cópia! Imitei os vinte e sete de outros e não fui músico, não ouvi Beatles nem recordei Cecília Meireles, não sou poeta, sou aleijado.
O fluxo vomita vazões. Transbordo após a explosão.
— Cala a boca!
O ódio do dia deseja prosseguir; costuro os lábios.