Em nome da moral

A garota saiu da cama e se espreguiçou. Olhou para o companheiro e viu que ele ainda dormia, roncava como um porco asmático e babava no travesseiro. Ainda nua, se encaminhou para a pequena mesa do quarto de hotel e, curiosa, abriu uma pasta preta com carimbo oficial e as palavras Senado Federal. Dentro da pasta havia um calhamaço de papéis em forma de apostila. Abriu o documento e leu o primeiro parágrafo.

"Nobres colegas. É com enorme regozijo que recebo a honraria de presidir a recém-criada Comissão da Moral e dos Bons Costumes. Comissão esta que eu e mais um grupo de renitentes cavalheiros deste parlamento, em um esforço hercúleo, tanto lutamos para que fosse criada dentro desta casa."

Assim que percebeu que o dorminhoco estava acordando, a garota fechou a apostila.

- Você estava lendo meu discurso? Perguntou o homem.

- Só vi o começo. Está bonito. Você escreve bem. Respondeu a moça, com voz dengosa e se enrolando na toalha.

- Na verdade – disse o homem, levantando-se da cama e vestindo a cueca -, foi meu assessor de imprensa quem escreveu, baseado numa gravação que fiz para ele.

– Seus colegas devem ter gostado, disse ela.

Ele riu, ainda meio sonolento, e emendou.

- Espero que gostem. Vou ler hoje à tarde, na abertura de trabalhos da comissão que vou presidir.

Tomaram um banho e pediram o café da manhã ao serviço do hotel.

Enquanto comiam um croissant de queijo, ele explicou a ela que a nova comissão tinha por objetivo estudar e propor idéias sobre a moral e os bons costumes no país, conceitos que estavam sendo ultrajados e aviltados.

- É impressionante como nossas famílias estão sendo desmoronadas. Nossas meninas se engravidam muito cedo, nossos rapazes não têm juízo e nem preparo para serem pais. Os casamentos não duram mais que semanas. Precisamos dar um basta nesta imoralidade, nesta sodomia.

A garota, parecendo entender o que o companheiro dizia, balançava a cabeça positivamente. Porém, de repente mudou de assunto.

- Como está sua mulher?

Embora não esperasse a pergunta, ele respondeu calmamente.

- Ótima. O problema dela era falta do que fazer. Passava o dia todo conversando com as amigas, torrando o cartão de crédito no shopping e ainda tinha tempo para ficar pensando coisas a meu respeito.

Mordeu uma fatia de mamão e continuou.

- Agora não. Arrumei um serviço para ela num ministério. Não precisa ir lá todo dia, mas vai assim mesmo. Acredito que esteja até trabalhando. Pelo menos sai de casa todo dia cedo e me telefona quando chega lá.

Ele contou também para a garota que não podia se separar, porque no ano seguinte sairia candidato a governador em seu estado.

- E governador tem de ter mulher. E o estado tem de ter primeira-dama, justificou com ar sério, mas forçado, e perguntou à garota.

- Você tem o telefone daquela sua amiga moreninha, a ...Pô, além de perder o número dela, esqueci também o nome.

- Deve ser a Mônica.

- Não. A Mônica não. É aquela bem morena, mulata mesmo, que tem uma pinta perto do umbigo.

- Ah! Agora sei. É a Vaneide, respondeu a moça, fingindo ciúme.

- Essa mesmo. Não fique chateada, mas estou com vontade de mudar um pouco.

- Você muda mais de mulher ou de partido político? Questionou a garota, de forma zombeteira.

- Boa pergunta. Entre todas elas, acho você a mais esperta e provocadora, respondeu, agarrando-a carinhosamente pela cintura e tirando a toalha que a cobria.

- Em nome da moral? Brincou a garota.

- Em nome da moral - bradou, imitando e gesticulando um discurso - e dos bons costumes de nosso povo, completou o senador.

E rolaram felizes pela cama de água.