Um belo sonho
Às margens de um pesadelo, afastei-me, forçando o despertar com o rosto sobre o travesseiro enxugando o desespero. Não eram atos, naquele sonho, eram sentidos: vários deles congestionados e bagunçados, interpolando, oscilando entre a lucidez e a loucura, mantendo-me recuado no canto da fadiga. Não era medo que me atormentava, era a sensação de mastigar cascas de ovo, como se numa bocarra, entranhasse os dentes no próprio coração desidratado pela mágoa, seco, pálido e feito de areia. Ao levantar me vejo recepcionado por um sádico silêncio forjado pelas paredes e, mais uma vez, encontrei-me ausente de qualquer amparo.
O tal sonho:
O meu mar era feito de pedras, escombros de pássaros mortos, navegava sobre um corpo almejado pelo sucinto desejo da inexistência. Afrontando os vestígios de martírios, deslizava entre larvas e moscas, zurzindo a respiração. Estreitando a visão às lentas, um estertor me causava embriaguez. Assistia, voando sobre meu cadáver, a um anjo negro de asado vermelho café, sacudindo pelo pairar um perfume ungido pelos desgraçados. Intangível pela narina, tangível pela pele: queimando a nesga dos dedos, germinando na boca sabores denso, estremecido e nauseativo, numa expectativa contundente ao qual se refere o aluir da minha sobrevivência, eu me perdia.
Não era morrer, era transformar-se.
Não era decompor, era sublimar-se.
Ao Rafael Sady, uma curta paixão quase mais que amar.