Frenesi
Peço-lhe desculpas para falar uma coisa abusiva; gostaria de lhe dar um beijo na boca...Diante do espanto que as próprias palavras lhe causaram, um espanto maior pela maneira como ela reagiu...Por que não dá? Não deu, e justificou a razão pela qual não o fazia; talvez o excessivo movimento de pessoas falando em altas vozes, dialogando, entreolhando-se com aspecto patético; juntou outras razões de ordem burocrática; como faria isso? Seria como se desnudar em publico, transformar-se numa pessoa comum, num ser humano simples, como a grande maioria das pessoas; sentia que os olhares eram brilhantes e cheios de fogo, e que os corpos certamente fremiam; as mãos não eram frias, os corações não estavam acelerados; mais uma vez, teve um retrato abstrato do desejo, do querer, do ansiar...As mãos se tocaram novamente de maneira sub-reptícia; pararam de questionar o fato não tão abusivo. Quase ao mesmo tempo, perceberam uma solução; e se fechássemos os olhos? Todas as coisas que nos cercam desapareceriam. De fato desapareceram; beijaram-se tão voluptuosamente, conforme descreveria um autor de fotonovelas, quando as fotonovelas consideravam pecado o beijo na boca. Beijaram-se, apertando-se contra o peito, sem permitir que nada lhes impedisse aquela manifestação de carinho; como se estivessem representando uma história de desejo, no palco de um teatro de subúrbio de que já lhes falei, ou nas docas, onde a platéia, constituída de homens rudes e mulheres de vida estivessem ali apenas para aplaudir. Uma bela e pura performance interrompida, de longe em longe, pelos apitos frenéticos das fábricas, ou pelos roncos graves dos vapores chegando ou partindo do cais.