Velório
Velório
Havia um número exagerado de mulheres idosas, o que mostrava que os homens da família foram morrendo e deixaram viúvas. Nada havia de diferente entre a defunta maquiada dentro do caixão e as que ainda respiravam em circunlóquios pelo velório. Todas tinham histórias comuns envolvendo “a de partida” de alguma maneira. Uma trajetória solitária, algumas vezes alegre e outras tantas triste, mas uma solidão solidária, sempre pronta a atender a um chamado ou a se afeiçoar a alguém a quem não devera, de acordo com os critérios dos austeros juízes familiares. Aquelas figuras envelhecidas no entorno da essa, enquanto o som da ladainha num coro mais que imperfeito feria os ouvidos dos que não tinham fé. Todo possível sofrimento era contido e controlado, exceto aquele que tal qual Zeca Camisola já tinha a cabeça desmiolada pelo AVC e que não tinha motivos para parecer fino, sem exagerar nos dramas da vida.
Lembrava seus passos rápidos de 60 anos passados, equilibrando-se num salto exageradamente alto, com sapatos de tranças de couro envolvendo as pernas até quase os joelhos, como ditava a última moda do penúltimo lugar antes de chegar ao purgatório. Contemplo sua face decorada; ela que jamais gostou de pinturas quando viva, estava ali inerme tendo de aceitar a decoração feita por quem não de direito, apenas para que causasse ciúmes àquelas figuras femininas fantasmagóricas, que lhe serviriam de cortejo até o descanso junto da mãe, que a esperava ansiosamente, há meio século.