o gosto de uma amizade

Ao despertar com os raios de sol batendo em sua face teve a grande sensação de que tinha algo errado. Ao pousar a mão na testa sentiu que suava frio. Seu estômago gritava uma vertigem, tudo culpa dos litros de vodka com coca cola bebidos na noite anterior. Ao tentar se levantar percebeu que havia um braço esticado sobre seu quadril. A pupila dilatada não permitia que distinguisse exatamente quem eram as pessoas deitadas a sua volta. Imaginou o porquê de estarem todas deitadas no tapete peludo da casa do amigo que fora visitar na noite anterior. Quando tentou se lembrar o que acontecera durante a madrugada, não conseguiu. Estava tudo em branco em sua mente, como se tivessem realmente passado uma borracha nas últimas doze horas. Seu estômago embrulhou novamente e ela gemeu “Droga, tenho certeza de que fiz merda”

Tropeçou sobre os corpos adormecidos espalhados em todos os cantos, pôde contabilizar no mínimo umas vinte pessoas dormindo. Não reconhecia a maioria delas, mas todas tinham a mesma fisionomia. Dormiam tranqüilas num mundo de sonhos induzidos.

Enquanto caminhava em direção ao banheiro para poder botar pra fora aquilo que fazia seu estômago quase engolir seu fígado de cinco e em cinco minutos, percorreu o corredor com olhos arregalados. Ainda não conseguia visualizar o que exatamente acontecera, mas alguns insides da madrugada diziam-na que a noite fora intensa.

Entrou no banheiro e trancou a porta. Agradeceu a si mesma, internamente, por conhecer o anfitrião desde que se conhecia por gente, e saber da existência daquele banheiro dos fundos, que parecia intacto mesmo com a aparente festa que ocorrera ali horas atrás. Ajoelhou-se em frente a privada, odiava ter que passar por isso, era repugnante, mas só com o estômago livre de toda a mistura que ela fora capaz de ingerir é que conseguiria pensar. Segurou o cabelo com a mão esquerda e a direita enfiou na goela para induzir o vomito. Ele veio, podre, com uma facilidade incrível. Dez minutos depois já se sentia melhor. Sentou-se no chão e esfregou a boca com a toalha de rosto. O gosto em sua garganta era repulsivo o suficiente pra provocar-lhe mais náuseas, mas ela já não tinha mais nada para botar pra fora. Levantou-se, molhou a nuca, lavou o rosto. Procurou algo para por na boca e achou um listerine no armário. Buchechou com vontade e satisfação. Depois mirou-se demoradamente no espelho. As olheiras diziam que não havia dormido muito, e a palidez gritava que estava fraca. Olhou para baixo para conferir se vestia todas as peças de roupa com que saíra de casa. Lembrou de casa, lembrou da mãe. Putz, que horas são?

Saiu do banheiro já quase revigorada. Nove e meia da manhã, as dez a polícia estaria atrás dela. Resolveu ligar pra casa. “Alô, mãe?”

“minha nossa senhora aparecida minha filha, quer me matar do coração? Onde você passou a noite? Onde você está? Porque não me ligou antes?” Os gritos dela entupiam seus ouvidos e faziam reverberar uma dor de cabeça recentemente notada. Ressaca. Tentou se explicar, disse que ficara na casa do amigo porque ele havia terminado o namoro, para consolá-lo, por mais que fosse exatamente o contrário, e acabaram adormecendo juntos, quando ela acordou já era cedo. Sua mãe confiava no Fabiano, engoliu a história direitinho mas a mandou voltar logo pra casa. Ela concordou, realmente precisava dormir, mas antes precisava achar um analgésico.

Tropeçou pela casa até a cozinha onde abriu o armário em cima da geladeira, sabia que era lá que a mãe de Fabiano guardava os remédios, achou uma cartela de paracetamol e mandou um comprimido pra dentro, depois abriu os outros armários em busca de algo que pudesse comer. Achou um pacote de clube social, que engoliu junto com um grande copo de coca cola, pura. Sentiu-se melhor com algo descendo para seu estômago. Abaixou a cabeça sobre a mesa e a sentiu latejar, tentou desligar-se do som que ouvia e quase adormecia quando sentiu um beijo em seu pescoço. Sobressaltou-se e ao olhar para trás distinguiu a forma de Fabiano olhando-a, sério.

- Garota, você ta louca? Nunca mais me pregue um susto desses! – disse ele com uma voz afetada, de quem realmente se preocupa.

- Ai, não grita, minha cabeça! Que foi agora Fabi?

- Acordei e não te vi garota, já pensei que tinha feito besteira... – ele falou sentando-se ao lado dela.

- Relaxa okay? Eu só passei meio mal e vim me recuperar... fiz algo que não devia ontem? Não consigo lembrar...

- Também não lembro de nada meu amor, minha cabeça vai explodir neurônios por todos os cantos dessa casa já já... mas deixa eu adivinhar? – ele fez uma pausa mas não esperou ela responder – Não adiantou de nada afogar as mágoas né? Elas aprenderam a nadar muito fácil!

- Exatamente Fabi, tô péssima ainda... porque ele me deixou? – uma lágrima escorreu pela sua bochecha enquanto dizia tais palavras

- Porque ele é um idiota e não consegue enxergar a burrada que fez – disse-lhe o amigo, abraçando-a. Ela se deixou abraçar, era isso que procurava quando chegara na casa de Fabiano no dia anterior. Procurava conforto e carinho de alguém que ela sabia que não a abandonaria da maneira que o ex havia feito. Ainda abraçados ele sussurrou - e fica calma que vai tudo se ajeitar baby, eu to com você pro que der e vier! – e outra lágrima escorreu dos seus olhos, mas essa tinha outro gosto. O gosto de ser amada e de se sentir amparada. O gosto de uma amizade, que muitas vezes vale mais do que qualquer outra coisa no mundo.

Leticia Stinghen
Enviado por Leticia Stinghen em 11/07/2009
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