A SAGA DO ZÉ DO MATO - PARTE I
A MUSA E O POETA
Ronaldo Torres
Zé do Mato não entendia os sorrisos insinuantes e provocativos de sua colega de Repartição. Ou entendia e se fazia de sonso, para evitar complicações futuras.
Zé do Mato, ou doutor Zé, como era chamado pelos subordinados, era chefe burocrático da burocracia administrativa municipal de uma pequena cidade no interior. Não havia muita coisa a ser feita, a não ser ficar atento para que os funcionários sob o seu comando não relaxassem no zelo ao dever. Quanto mais complicar a vida do contribuinte, melhor seria para o prefeito, pois assim o povo passaria o seu tempo na fila da burocracia e não teria tempo de falar mal de sua administração. Às vezes, complicava-se tanto, que era necessária a intervenção do próprio prefeito para desemperrar a máquina administrativa em pró do contribuinte que, por via de regra, ficava devendo favor ao chefe do executivo municipal. E, no interior, dever favor a político significa votar nele na eleição. Ou em seus cupinchas.
A colega sedutora de Zé do Mato era uma beldade que devia muitos favores ao prefeito e, por isso, trabalhou duro como cabo eleitoral na eleição passada, cujo dinamismo do seu trabalho recebeu elogios até dos adversários do prefeito. Não tinha hora para comer, beber ou dormir. Sempre na luta, na labuta, à frente do principal comitê eleitoral. Eleito, os papéis se inverteram e o prefeito ficou devendo favor à sua ex-favorecida. Como no Brasil político que deve favor, paga arranjando uma boquinha no cofre da viúva, a cabo eleitoral passou a ser chefe-de-gabinete da Secretaria da Burocracia, em que tinha Zé do Mato como diretor administrativo. E assim, burocraticamente, ela tratava de seduzir o seu colega, sabendo que um dia alcançaria o seu intento.
Havia um obstáculo impedindo Zé do Mato jogar as cajás para cima da sua colega e colocar as coisas em pratos limpos: ela era casada e o seu marido tinha fama de valentão. A fama vinha de outros tempos, desde os dias em que Lampião andava pelo Sertão, matando o povo de medo e “macaco” a tiro de garruncha. O pai dele, ou seja, o sogro da chefe-de-gabinete, tinha fama de ser mais brabo ainda: marcou uma peleja com o próprio Lampião e disse que o cangaceiro fosse com quantos homens quisesse que ele ia desarmado e com um braço amarrado. No dia aprazado da pendenga, Lampião não confiou. Antes de entrar na cidade, mandou um espião se certificar de que o oponente tinha cumprido a palavra. Uma hora depois o cangaceiro deu conta do recado:
– Realmente, meu capitão, ele está lá na praça com um braço amarrado, mas observei que ele tem um canivetinho no bolso. – Lampião fez meia-volta e mandou dizer que a peleja estava desmarcada.
Seria com o filho desse cidadão que Zé do Mato teria que prestar contas caso fosse flagrado com a mulher dele. Ou que ela interpretasse mal as suas conjecturações e desse com a língua nos dentes. Teria que se esconder pelo resto da vida. Ou aventurar-se a morrer de porrada, de faca ou de tiro. Não, não faria uma besteira por causa de um sorriso matreiro de uma mulher vadia, mesmo sendo colega de Repartição.
Zé do Mato, além de servidor público exemplar, era um poeta nato. Escrevia maravilhas de versos e prosas, principalmente depois que se satisfazia nas onças, galinhas, cabras ou mulas. Quando a coisa apertava, o jeito era abrir a Playboy e se satisfazer na mão grande, sonhando uma trepança com aquelas gostosuras de mulheres. O mês que ele mais criou, foi quando a Débora Secco posou pelada, de pernas arreganhada, mostrando a “periquita” molhada e cabeluda. Êta gostosura! Ainda morro disso! – exclamava extasiado o nosso herói.
A chefe-de-gabinete, cada vez mais de decote exagerado, se debruçava sobre a mesa do diretor administrativo para ler as suas poesias, deixando à mostra dois belos mamilos, divinamente redondos e durinhos, com os bicos empinados e afiados, querendo furar a blusa. Usava sabonete de canela, made in Vera Vilela, e a afrodisíaca colônia de patchouli. Zé do Mato sentia que não ia resistir, ia enfiar a mão na jaca, mas quando se lembrava da fama do marido, seu membro esmorecia e acabava o entusiasmo. E ela, dengosa, provocava:
– Ah, Zé, faça uma poesia pra mim, faça!
Zé do Mato era cunhado do prefeito e homem de sua mais inteira confiança. Por ser um letrado, também exercia a função de tesoureiro e era ele quem fazia o pagamento dos funcionários no final do mês. Como em sua cidade não havia agência bancária, ele sacava o dinheiro da folha de pagamento na agência do Banco do Brasil, na cidade vizinha e, no outro dia, efetuava o pagamento em espécie, aos funcionários, que assinavam a cópia de um contra-cheque dando conta do recebimento.
Quando saiu do gabinete do prefeito, com o cheque da folha de pagamento na mão, Zé do Mato cruzou com a chefe-de-gabinete, que lhe deu uma escancarada piscadela, se insinuando derretida. Zé do Mato entrou na sua sala, pegou a pasta 007 e, no momento em que passava a chave na porta, sentiu uma mão feminina apertar a sua bunda e o dedo indicador cutucar a onça com vara curta. Ele soltou um longo e profundo suspiro. Não ia resistir. Aquilo não era mais uma provocação, mas um convite descarado para prevaricar. Ela, sorrateira, sussurrou um apelo de fêmea no cio: “Me leva com você...” O hálito quente da fêmea gemendo no ouvido e a mão roçando a sua bunda, fizeram Zé do Mato abrir a guarda e relaxar. Não havia como resistir, por mais macho que fosse o marido e mais frouxo fosse o ricardão. Realmente, não havia como resistir.
Na volta do banco, ela convenceu o diretor da Burocracia a passar em sua casa. Já era noite e o seu marido estava viajando, só ia voltar no outro dia à tarde. Eles teriam tempo de sobra para que o poeta fizesse uma, não, várias odes ao amor libertino, vivendo cada verso do poema inspirado nos odores do Amor e do Sexo. Literalmente ele ralaria em seu regaço, se afogaria naquele lago transbordante de sensualidade e mamaria naquelas maravilhosas e divinas tetas, sugando todo o néctar do amor.
Entorpecido pelo tesão, Zé do Mato capitulou. Sem burocracia e sem melancolia. Que venga el toro! Estacionou distante da casa e caminharam sorrateiros, ladinos: ela, na frente; ele, atrás, para não dar na vista. A vizinhança é fogo, ainda mais em cidade pequena. Se caísse na boca do povo, fatalmente chegaria aos ouvidos do marido.
Quando se preparava para fundir o parnasianismo com o romantismo, buscando inspiração no Gênese, e, no exato instante em que Eva se preparava para comer a maçã oferecida pela serpente, uma pancada vigorosa na porta e uma voz abusada chamando pela mulher.
– Meu marido! – foi a senha para que Zé do Mato pulasse da cama e disparasse pela porta dos fundos da casa, vestido igual a Adão fugindo do Paraíso, a cem quilômetros por hora. Correr era a sua especialidade, pois treinava constantemente nas onças quando elas iam beber água. Aproveitava a posição delas na ribanceira para praticar a zoofilia. Depois era só carreira. O que não contava, naquele momento, era com os obstáculos: muros altos e cheios de cacos de vidro, cachorro no quintal do vizinho, um galinheiro mais na frente e um vigia atento, mandando bala de sal. Chegando em casa, foi direto para o banheiro cuidar dos ferimentos. Por sorte não havia ninguém no quintal para dar testemunho de sua lamentável situação. E ter que dar explicações.
No outro dia chegou na repartição mais tarde que o contumaz. O atraso deveu-se ao tempo que levou disfarçando os ferimentos e pensando em uma desculpa a dar, caso alguém perguntasse. Antes de chegar na Prefeitura, viu a fila dos funcionários para receber o pagamento do mês e levou a mão à testa, preocupado. No susto e na carreira, havia deixado a pasta com o dinheiro do pagamento em cima do sofá, na casa da chefe-de-gabinete. “Tomara que ela tenha visto e tenha trazido”, pensou esperançoso. Que desculpa ela teria dado ao marido para justificar a pasta com o dinheiro da Prefeitura em sua casa? E as suas roupas, houve tempo de escondê-las?
Em vez de ir para a sua sala, foi direto para o gabinete do secretário. Havia passado da hora de iniciar o pagamento dos funcionários, que começavam a ficar nervosos do lado de fora. “Ô rapaz, temos o que fazer! Não somos cunhados do prefeito não!” foi o coro ouvido quando passou pela fila dos irritados barnabés municipais. Êta povinho impaciente!
No gabinete havia apenas o secretário. Nenhum sinal da chefe-de-gabinete. Indagado pela mesma, o secretário exclamou:
– Ô rapaz, então você não sabe?! Ela, ontem, ganhou uma bolada na Loteria, pediu demissão da Prefeitura e viajou ontem mesmo, sem o marido, que chega hoje de viagem e vai ficar uma fera quando souber do acontecido. Partiu sem deixar rastro, dizendo que não voltaria mais. Deixou o número de uma conta bancária e pediu pra que você efetuasse o depósito do seu saldo de salário juntamente com o salário do mês!
A MUSA E O POETA
Ronaldo Torres
Zé do Mato não entendia os sorrisos insinuantes e provocativos de sua colega de Repartição. Ou entendia e se fazia de sonso, para evitar complicações futuras.
Zé do Mato, ou doutor Zé, como era chamado pelos subordinados, era chefe burocrático da burocracia administrativa municipal de uma pequena cidade no interior. Não havia muita coisa a ser feita, a não ser ficar atento para que os funcionários sob o seu comando não relaxassem no zelo ao dever. Quanto mais complicar a vida do contribuinte, melhor seria para o prefeito, pois assim o povo passaria o seu tempo na fila da burocracia e não teria tempo de falar mal de sua administração. Às vezes, complicava-se tanto, que era necessária a intervenção do próprio prefeito para desemperrar a máquina administrativa em pró do contribuinte que, por via de regra, ficava devendo favor ao chefe do executivo municipal. E, no interior, dever favor a político significa votar nele na eleição. Ou em seus cupinchas.
A colega sedutora de Zé do Mato era uma beldade que devia muitos favores ao prefeito e, por isso, trabalhou duro como cabo eleitoral na eleição passada, cujo dinamismo do seu trabalho recebeu elogios até dos adversários do prefeito. Não tinha hora para comer, beber ou dormir. Sempre na luta, na labuta, à frente do principal comitê eleitoral. Eleito, os papéis se inverteram e o prefeito ficou devendo favor à sua ex-favorecida. Como no Brasil político que deve favor, paga arranjando uma boquinha no cofre da viúva, a cabo eleitoral passou a ser chefe-de-gabinete da Secretaria da Burocracia, em que tinha Zé do Mato como diretor administrativo. E assim, burocraticamente, ela tratava de seduzir o seu colega, sabendo que um dia alcançaria o seu intento.
Havia um obstáculo impedindo Zé do Mato jogar as cajás para cima da sua colega e colocar as coisas em pratos limpos: ela era casada e o seu marido tinha fama de valentão. A fama vinha de outros tempos, desde os dias em que Lampião andava pelo Sertão, matando o povo de medo e “macaco” a tiro de garruncha. O pai dele, ou seja, o sogro da chefe-de-gabinete, tinha fama de ser mais brabo ainda: marcou uma peleja com o próprio Lampião e disse que o cangaceiro fosse com quantos homens quisesse que ele ia desarmado e com um braço amarrado. No dia aprazado da pendenga, Lampião não confiou. Antes de entrar na cidade, mandou um espião se certificar de que o oponente tinha cumprido a palavra. Uma hora depois o cangaceiro deu conta do recado:
– Realmente, meu capitão, ele está lá na praça com um braço amarrado, mas observei que ele tem um canivetinho no bolso. – Lampião fez meia-volta e mandou dizer que a peleja estava desmarcada.
Seria com o filho desse cidadão que Zé do Mato teria que prestar contas caso fosse flagrado com a mulher dele. Ou que ela interpretasse mal as suas conjecturações e desse com a língua nos dentes. Teria que se esconder pelo resto da vida. Ou aventurar-se a morrer de porrada, de faca ou de tiro. Não, não faria uma besteira por causa de um sorriso matreiro de uma mulher vadia, mesmo sendo colega de Repartição.
Zé do Mato, além de servidor público exemplar, era um poeta nato. Escrevia maravilhas de versos e prosas, principalmente depois que se satisfazia nas onças, galinhas, cabras ou mulas. Quando a coisa apertava, o jeito era abrir a Playboy e se satisfazer na mão grande, sonhando uma trepança com aquelas gostosuras de mulheres. O mês que ele mais criou, foi quando a Débora Secco posou pelada, de pernas arreganhada, mostrando a “periquita” molhada e cabeluda. Êta gostosura! Ainda morro disso! – exclamava extasiado o nosso herói.
A chefe-de-gabinete, cada vez mais de decote exagerado, se debruçava sobre a mesa do diretor administrativo para ler as suas poesias, deixando à mostra dois belos mamilos, divinamente redondos e durinhos, com os bicos empinados e afiados, querendo furar a blusa. Usava sabonete de canela, made in Vera Vilela, e a afrodisíaca colônia de patchouli. Zé do Mato sentia que não ia resistir, ia enfiar a mão na jaca, mas quando se lembrava da fama do marido, seu membro esmorecia e acabava o entusiasmo. E ela, dengosa, provocava:
– Ah, Zé, faça uma poesia pra mim, faça!
Zé do Mato era cunhado do prefeito e homem de sua mais inteira confiança. Por ser um letrado, também exercia a função de tesoureiro e era ele quem fazia o pagamento dos funcionários no final do mês. Como em sua cidade não havia agência bancária, ele sacava o dinheiro da folha de pagamento na agência do Banco do Brasil, na cidade vizinha e, no outro dia, efetuava o pagamento em espécie, aos funcionários, que assinavam a cópia de um contra-cheque dando conta do recebimento.
Quando saiu do gabinete do prefeito, com o cheque da folha de pagamento na mão, Zé do Mato cruzou com a chefe-de-gabinete, que lhe deu uma escancarada piscadela, se insinuando derretida. Zé do Mato entrou na sua sala, pegou a pasta 007 e, no momento em que passava a chave na porta, sentiu uma mão feminina apertar a sua bunda e o dedo indicador cutucar a onça com vara curta. Ele soltou um longo e profundo suspiro. Não ia resistir. Aquilo não era mais uma provocação, mas um convite descarado para prevaricar. Ela, sorrateira, sussurrou um apelo de fêmea no cio: “Me leva com você...” O hálito quente da fêmea gemendo no ouvido e a mão roçando a sua bunda, fizeram Zé do Mato abrir a guarda e relaxar. Não havia como resistir, por mais macho que fosse o marido e mais frouxo fosse o ricardão. Realmente, não havia como resistir.
Na volta do banco, ela convenceu o diretor da Burocracia a passar em sua casa. Já era noite e o seu marido estava viajando, só ia voltar no outro dia à tarde. Eles teriam tempo de sobra para que o poeta fizesse uma, não, várias odes ao amor libertino, vivendo cada verso do poema inspirado nos odores do Amor e do Sexo. Literalmente ele ralaria em seu regaço, se afogaria naquele lago transbordante de sensualidade e mamaria naquelas maravilhosas e divinas tetas, sugando todo o néctar do amor.
Entorpecido pelo tesão, Zé do Mato capitulou. Sem burocracia e sem melancolia. Que venga el toro! Estacionou distante da casa e caminharam sorrateiros, ladinos: ela, na frente; ele, atrás, para não dar na vista. A vizinhança é fogo, ainda mais em cidade pequena. Se caísse na boca do povo, fatalmente chegaria aos ouvidos do marido.
Quando se preparava para fundir o parnasianismo com o romantismo, buscando inspiração no Gênese, e, no exato instante em que Eva se preparava para comer a maçã oferecida pela serpente, uma pancada vigorosa na porta e uma voz abusada chamando pela mulher.
– Meu marido! – foi a senha para que Zé do Mato pulasse da cama e disparasse pela porta dos fundos da casa, vestido igual a Adão fugindo do Paraíso, a cem quilômetros por hora. Correr era a sua especialidade, pois treinava constantemente nas onças quando elas iam beber água. Aproveitava a posição delas na ribanceira para praticar a zoofilia. Depois era só carreira. O que não contava, naquele momento, era com os obstáculos: muros altos e cheios de cacos de vidro, cachorro no quintal do vizinho, um galinheiro mais na frente e um vigia atento, mandando bala de sal. Chegando em casa, foi direto para o banheiro cuidar dos ferimentos. Por sorte não havia ninguém no quintal para dar testemunho de sua lamentável situação. E ter que dar explicações.
No outro dia chegou na repartição mais tarde que o contumaz. O atraso deveu-se ao tempo que levou disfarçando os ferimentos e pensando em uma desculpa a dar, caso alguém perguntasse. Antes de chegar na Prefeitura, viu a fila dos funcionários para receber o pagamento do mês e levou a mão à testa, preocupado. No susto e na carreira, havia deixado a pasta com o dinheiro do pagamento em cima do sofá, na casa da chefe-de-gabinete. “Tomara que ela tenha visto e tenha trazido”, pensou esperançoso. Que desculpa ela teria dado ao marido para justificar a pasta com o dinheiro da Prefeitura em sua casa? E as suas roupas, houve tempo de escondê-las?
Em vez de ir para a sua sala, foi direto para o gabinete do secretário. Havia passado da hora de iniciar o pagamento dos funcionários, que começavam a ficar nervosos do lado de fora. “Ô rapaz, temos o que fazer! Não somos cunhados do prefeito não!” foi o coro ouvido quando passou pela fila dos irritados barnabés municipais. Êta povinho impaciente!
No gabinete havia apenas o secretário. Nenhum sinal da chefe-de-gabinete. Indagado pela mesma, o secretário exclamou:
– Ô rapaz, então você não sabe?! Ela, ontem, ganhou uma bolada na Loteria, pediu demissão da Prefeitura e viajou ontem mesmo, sem o marido, que chega hoje de viagem e vai ficar uma fera quando souber do acontecido. Partiu sem deixar rastro, dizendo que não voltaria mais. Deixou o número de uma conta bancária e pediu pra que você efetuasse o depósito do seu saldo de salário juntamente com o salário do mês!