Blue Tree

Blue Tree

Chegamos lá por volta de 20 horas. Uma multinacional homenageava seus altos funcionários. A maioria feminina. Em nossa mesa estavam dois casais, eu e minha mulher aí incluídos, e mais duas charmosas funcionárias.

A parte fêmea do outro casal era realmente uma mulher exuberante. Alta e bela, ainda não chegada aos quarenta.

De repente percebi que estava ao lado de um homem acabrunhado. Tinha um rosto másculo e a tez avermelhada de quem tem boa saúde.

- Fui um soropositivo e hoje estou curado pela fé em Deus! – Escutei isso na segunda vez que me inclinei para o sussurro dele.

Bebidas foram servidas. Ele só aceitou água. Ambas mãos tremiam. Uma para alcançar o copo na mesa e a outra para passar o guardanapo no local onde tinha estado o copo enquanto bebia. Ele repetia isso a cada cinco segundos até o copo esvaziar. Então voltava ao seu acabrunhamento.

O jantar foi servido. Impressionou-me a quantidade que ele aceitou no prato. Desajeitadamente segurava os talheres. Sua esposa delicadamente o ajudava em algum mau jeito iminente, repreendendo-o como a um garotinho. Ele lhe respondia com um meigo olhar.

As homenagens começaram, bem como os discursos dos homenageados. Eu estava tenso e procurava disfarçar entabulando conversa com o ex-portador de HIV que, embora quase em sussurro articulava bem as palavras. Contou-me como contraiu o vírus e como se livrou dele através da fé e das orações dos membros da igreja evangélica, onde conhecera sua esposa.

As homenageadas da nossa mesa foram sendo chamadas para o palco, sem antes a esposa dele recomendar que ele só tomasse aquele suco de laranja e nada mais que contivesse açúcar.

Fiquei a imaginar o quanto seria penoso para aquela dinâmica mulher em conviver com seu grande amor naquele estado. Aquilo a fazia tão forte, a ponto de mostrar o seu marido, acabrunhado e triste, mas digno da força da fé, a socializar num ambiente tão requintado e exposto a comentários.

Pedi ao garçon uma jarra de quase dois litros de suco de laranja e mais açúcar. Coloquei o guardanapo em sua tremula mão esquerda e verti suco no copo. Automaticamente ele alcançou o copo levou à boca ao mesmo tempo em que parecia enxugar o lugar onde estava o copo.

Terminou de beber em vinte e cinco segundos. Tornei a encher o copo. Só na quarta vez que fiz isso ele se virou me olhando atônito, como implorando que eu parasse. Tornei a encher-lhe o copo até que a jarra acabou e ele assentou o copo e o guardanapo na mesa.

Fui até a mesa de doces e fiz uma cheia cuia de pudim, sorvete e bolo. O recipiente foi colocado à sua frente e lhe disse oferecendo a colher.

- Com sua fé, nada lhe afetará, você pode comer de tudo...

Notei algumas lágrimas escorrendo de seus olhos enquanto ele lutava contra sua compulsão. Dirigi-me ao banheiro e lá fiquei até escutar a sirene da ambulância.

Raferty
Enviado por Raferty em 30/05/2006
Reeditado em 01/06/2006
Código do texto: T166324