Efeito Kuleshov 8

De Seu Admirador Secreto

1

A campainha toca apenas uma vez e a porta é aberta. No corredor do prédio encontra-se uma caixa amarela com um laço branco e um bilhete sob o mesmo. Mãos pegam a caixa e tiram o bilhete de baixo do laço, está escrito “De sua admiradora secreta”.

Os olhos que lêem aquilo tentam entender o que está havendo, mas a confusão não o impede de abrir a caixa. Ele abre e... não há chances de fugir da explosão que vem logo em seguida e manda todo o apartamento para os ares.

2

Todo dia ele a observa, não faria outra coisa se pudesse. Chega da faculdade e já mete os olhos no binóculo para ver a linda mulher que mora no prédio da frente, uma loira, dançarina, cabelo escorrido até a cintura, aparentando uns 27 anos. É realmente muito linda e talentosa. E a janela de frente é justamente para o seu quarto, onde ela troca de roupa e ensaia seus maravilhosos passos de dança.

Na TV passa a matéria sobre uma explosão em um prédio longe dali, onde o morador morreu, mas Bob não presta atenção e continua a observando como se dependesse daquilo para viver e, pelo jeito, parece que realmente depende. Mas só observar estava começando a ficar sem graça, queria conhecê-la, queria ao menos entrar em contato com ela de alguma forma, lhe fazer uma surpresa, algum agrado. Anoitece e ele saboreia sua especialidade: sanduíche de atum com salada de cebola e tomate. Ainda pensa em fazer algo diferente para sua linda e desconhecida vizinha. Adormece com o mesmo pensamento na cabeça.

A manhã seguinte é um sábado, sem faculdade nesse dia. Bob aproveita para ir bem cedo a uma floricultura e compra um buquê de rosas vermelhas, bem clichê mesmo, quer mostrar que é um rapaz normal, sem muitos exageros. Todos os dias a exatamente dois meses ele a observava e durante esse tempo nunca vira um único homem naquele apartamento. Nada poderia atrapalhá-lo, é o seu momento e de mais homem nenhum.

O porteiro deixa o buquê na porta da moça, toca a campainha e acelera o passo para sumir de vista, conforme combinado com Bob, o garoto que apareceu de repente naquela manhã de sol forte e falou com ele sobre estar amando uma vizinha, falou das flores e lhe explicou toda a história. Ainda teve tempo de virar o corredor antes da porta se abrir e a loira surgir, olhando para os lados. Mas é no chão que a surpresa se encontra. Ela se abaixa e pega o buquê enrolado por um laço vermelho, há um bilhete preso nele escrito “De seu admirador secreto”.

- Quem é, Ellen? – uma voz masculina pergunta lá de dentro.

3

Bob olha ansioso pelo binóculo, querendo saber a reação de sua amada vizinha. Tudo que consegue ver é a mulher aparecer na janela falando com alguém. Não, falando, não. Está DISCUTINDO com alguém.

O rapaz, agora assustado, não entende o que se passa. Com quem estaria discutindo? A resposta vem logo em seguida quando um homem de boné preto escondendo a parte de cima do rosto aparece e estapeia o rosto da mulher. Ele estapeia outra vez, agarra seu cabelo e a joga no chão.

- O que está acontecendo lá? – Bob treme enquanto segura o binóculo e a pergunta vem à sua cabeça. E apesar das pernas terem perdido qualquer movimento ele corre para o outro lado do quarto, esticando o braço para pegar seu celular, mas o derruba, abaixa para pegá-lo e só consegue ouvir o horrível som de dois tiros. Fica paralisado novamente, até as mãos pararam dessa vez. Corre de volta para a janela, põe os olhos atrás do binóculo e vê que o homem não está mais lá, mas a mulher levanta-se com... O que é isso? Uma arma? É, uma arma na mão.

Bob está suando frio, não acredita que acabara de causar aquilo tudo. Uma pessoa havia acabado de morrer. No apartamento logo à sua frente.

4

Ele acorda de seu terrível pesadelo, com as imagens da vizinha segurando a arma ainda se desmanchando em sua mente. A vizinha... Ellen, esse é seu nome. Ela percebe que Bob está assustado e beija seu ombro direito.

- O que houve? – ela pergunta.

- Eu tive... um pesadelo.

- E o que era?

- Isso não vem ao caso, é melhor esquecer.

- Ótimo! Não é bom contar pesadelos mesmo.

Ao lado da cama há um criado-mudo com um porta-retrato e nele há a foto de um casal se beijando no parque: Bob e Ellen. Parecem se amar de verdade.

Bob fica sentado na cama, tentando se recuperar do susto que levou. A campainha toca e Ellen levanta-se para atender.

- Pode deixar que eu atendo.

- Não precisa, também perdi o sono – ela diz enquanto se encaminha para a porta na sala.

Ela olha para os lados e não vê ninguém, mas no chão há um buquê de rosas vermelhas, um laço também vermelho o envolve e há um bilhete preso a ele. Abaixa-se e o pega, curiosa sobre quem poderia ter mandado.

Será que é uma surpresa do Bob? – é o que ela pensa. Abre o bilhete e lê “De seu admirador secreto”.

- Quem é, Ellen? – Bob pergunta, ainda sentado na cama.

Ellen fecha a porta novamente e adentra o quarto.

- Você me fez uma surpresa? – ela pergunta com um lindo sorriso no rosto.

- Do que está falando?

- Recebi um buquê de rosas vermelhas. Há um bilhete escrito “de seu admirador secreto”, mas tenho quase certeza de que foi você. Bastante criativo.

- Não sei nada sobre isso. Quem lhe mandou? – Bob já está na sala, com uma raiva perceptível no rosto, apenas escondida pelo boné preto que está usando.

- Não... não foi você?

- Quem lhe mandou essas flores, Ellen? – está perdendo a paciência.

- Juro que não sei! Achei que tinha sido você.

- Vai parar de disfarçar e me contar agora quem lhe mandou!

- Eu não sei!

- Não minta pra mim!

Ellen passa por Bob, o ignorando, mas ele puxa seu braço e a faz se virar de volta para ele.

- Não saia andando assim. Conte-me tudo!

A loira anda para trás enquanto continua discutindo com Bob e passa na frente da janela.

- Já disse que não sei, Bob! Juro pra você que não sei de nada. Deve ter sido alguma brincadeira.

- Mentira! – ele estapeia seu rosto uma... duas vezes, agarra seu cabelo e a joga no chão.

- Pare com isso, seu louco!

- Vou acabar com você!

Ellen arrasta-se como pode e abre a última gaveta do guarda-roupa.

- Aonde pensa que vai? – ele puxa suas pernas e a traz para mais perto, sem notar que ela já havia tirado uma pistola 9mm da gaveta.

- Mas o q... – a frase é interrompida por dois tiros em seu peito. Ele cai, morto.

A mulher levanta-se segurando a arma enquanto Bob olha assustado pela janela do apartamento da frente.

5

- Ela... ela o matou. Ela acaba de matá-lo! – Bob está desesperado, não sabe o que pensar, o que fazer, não sabe de mais nada.

A campainha toca, assustando-o. Ele fica meio receoso de atender, mas aproxima-se assim mesmo da porta. A abre e vê uma caixa amarela com um laço branco e um bilhete sob o mesmo. Tenta entender aquilo e pega a caixa, no bilhete está escrito “De sua admiradora secreta”.

Também mandaram para mim. Será que foi ela, a vizinha? Será que ela sabe?

As perguntas rapidamente somem de sua cabeça quando dão lugar à curiosidade e ele abre a caixa.

***

O que de fato aconteceu com Bob não pode ser explicado. Uma série de eventos onde realidades alternativas se juntaram e deram um trágico fim a sua vida. E em duas versões distintas.

Quem enviou a caixa amarela? O(a) responsável por essa atitude na certa acabou também sendo o(a) responsável pelo encerramento dessa estranha e misteriosa cadeia de acontecimentos, onde um mundo paralelo acompanhou o outro sem nem ao menos ter o real conhecimento de sua existência.

No fim de tudo Bob deixou de existir de uma forma ou de outra, mas nos dois casos perguntas ficaram para trás, apenas perguntas não respondidas por um... Efeito Kuleshov.

Leandro Freire
Enviado por Leandro Freire em 17/06/2009
Código do texto: T1654155
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