INTROMISSÂO

Altos da Bronze, rua Duque de Caxias, décimo andar de um belo e imponente edifício antigo.

Compartilho este andar com mais três condôminos.

Pois um dia estava passando pelo corredor, quando ouvi vozes que vinham da área de serviço de uma moça, cujo apartamento faz divisa com o meu. Esta minha vizinha é muito bonita e elegante. muitas vezes a vejo que sai pela manhã e retorna à tardinha. Ouço o toc, toc dos sapatos de salto, e corro para o corredor. Nos cumprimentamos, e só. Estou bastante curiosa. Não sei se vive sozinha, se tem namorado, onde trabalha, se estuda etc. Não é por mal, não! É que gosto de saber das coisas e ajudar os vizinhos.

Um dia destes pensei numa maneira de me aproximar dela. Bati de leve em sua porta e levantando a capelinha de nossa senhora até o olho mágico, falei: - É a visita de nossa senhora, moça! Sabe o que ela fez? Pois imagina só, ela gritou lá de dentro: -Não quero, obrigada. Voltei para o meu apartamento intrigada e indignada. -Será possível que ela não goste da mãe de Jesus?

Naquela noite fiquei imaginando mil coisas, ardia de curiosidade. Como seria o apartamento dela?

Durante a reforma, que durou três meses o barulho era infernal. Volta e meia ela aparecia, eu ouvia a conversa com os operários mas não conseguia entender o que diziam e nestas horas eu ficava de orelha em pé, mas de nada adiantava.

Um belo dia, num sábado, lembro bem, ela chegou com a mudança. Fiquei tão ansiosa que nem consegui ver televisão. Vizinha nova; fofocas novas, oba!

Mas eu ia contar sobre as vozes... Colei o ouvido na porta que da para a área da tal moça e ouvi isto: -Calma, vai ficar tudo bem, ta bom? Me da teus pezinhos, assim... te levo para a área, paro o solzinho...Bastante água... Prometo que não vou te afogar... agora ponho terra por cima... isso, assim.... agora tira o bracinho para fora, assim... pronto... pronto.

Agora, fica bem aí, ta bom? Vou jantar, depois volto para te ver ta, queridinha?

Bem, não é preciso dizer que fiquei apavorada, primeiro paralisei. Depois pensei em chamar o zelador do edifício. Mas refleti que ele podia dizer que era o descobridor, o detetive, o esperto que flagrou a criminosa.

Eu não queria de maneira alguma perder nenhum dos títulos que me cabiam, que me pertenciam por direito. Então corri até o telefone e liguei para polícia.

-Alô, é da policia? Sim? Pelo amor de Deus venham depressa antes que seja tarde, tem uma doida enterrando alguém, aqui no edifício, alô, só um momento já vou dar o endereço...

Nisto, a campainha soou estridente e logo a seguir ouvi a voz dela, da assassina, imaginem?! Já nem tinha vontade de conhecer a criatura. Tremi dos pés a cabeça, e no telefone a voz insistente gritava: -Fale minha senhora, diga o endereço...

Larguei o aparelho, armei a cara e a coragem, abri a portinhola e perguntei: -O que a senhorita deseja? Ao que ela respondeu: -É que ganhei esta muda de pimenta de jardim, é muito frágil, e queria saber se a senhora pode me ajudar, ela parece triste. Já conversei com a pobrezinha, reguei, coloquei terra nova, bem fofa, mas não sei se ela vai sobreviver. A senhora deve ter experiência com plantinhas pequenas, não tem?

Ufa, que alívio. Com que então, era isso!

Peguei o telefone e ainda ouvi a voz aflita que gritava: - Alô, alô, fale por favor! - Coloquei o fone no gancho e corri à abrir a porta.

Não sei se salvo a plantinha desta maluca, mas desta vez mato minha curiosidade. Ah! Se mato.