Maria Tudo
Jeferson e Natália pareciam um desses casais saído de algum conto de fadas: lindos, bem-sucedidos e apaixonados. Ninguém ousava se colocar entre eles, pois era notória a reciprocidade amorosa e a cumplicidade que os envolvia. Jovens, bonitos, ricos e famosos. O sonho da maioria das pessoas. E, para despeito de muita gente, amavam-se loucamente. O passo seguinte para essa linda história, só poderia ser o matrimônio.
Casaram-se com toda pompa e circunstância. A festa memorável contou com a presença de convidados renomados e foi um evento concorridíssimo entre os membros da alta sociedade. Lua de Mel no Caribe. Como toda respeitada união que se preze, ao serem questionados sobre a intenção de formar a prole, diziam aos mais próximos que teriam um único filho, que estava programado para vir após o decorrer de um ano do enlace. Como que em conformidade com os planos do jovem casal, a vida lhes presenteou com o tal sonhado rebento. Ou melhor, “rebenta”, pois foram agraciados com a vinda de uma filha mulher. A menina causara alvoroço ao vir ao mundo, pois pesara 7 quilos ao nascer, para infelicidade dos pais, que não mais desejavam filhos. Batizaram-na com o nome de Maria Eduarda e, tão logo após seu nascimento, passara a ser chamada por todos de Maria Gorda. Ninguém ousava dizer que era uma gracinha, pois julgavam-na fora da definição dos padrões estéticos – propriamente dito. Ninguém entendia como um casal tão lindo e com uma história tão encantada pudesse ter gerado tal figura medonha.
Paralelo ao seu desenvolvimento, também aumentava significativamente seu peso. Maria Gorda, além de feia era obesa. E não parava de comer. Só não era totalmente ridicularizada a ponto de sofrer humilhações, em razão da condição financeira da família, o que lhe garantia um lugar na sociedade. As mães encorajavam as filhas a se relacionarem com “o Monstrinho”, mas apesar dos esforços, não conseguiam concebê-la no clube das filhinhas de papai. Riam-se à beça às suas custas e às suas costas. O desespero dos pais crescia na mesma proporção em que ela tornava-se adolescente. E mais gorda. Anteviam a dificuldade que seria encontrar um bom partido para, futuramente, desposá-la. Seria um escândalo sem precedentes se não houvesse de arranjar um bom namorado – de preferência da alta sociedade – para ficar “tudo em família”.
Recorreram à intervenção divina, nutricionistas, endocrinologistas, acupuntura, clínicas estéticas de emagrecimento, tudo sem obter sucesso. O mal era crônico. Foi então que tiveram a sensacional ideia da cirurgia de redução do estômago como solução da obesidade mórbida. Inventaram uma viagem ao exterior sem data prevista para o retorno. A cirurgia, no estrangeiro, foi um sucesso. Maria Gorda não só emagreceu drasticamente como também passara por uma série de operações cirúrgicas com a finalidade de adequar-se aos padrões estéticos ditados pela sociedade. Tornou-se outra pessoa. Com a cara e o corpo da boneca “Barbie”. Ao retornar ao Brasil, passou a ser cortejada e disputada pelos melhores partidos, invejada e rejeitada pelas “amigas” da sociedade. Passou a ser chamada de “Maria Idiota” pelas moças de sua idade e de “Maria Rainha da Cocada” pelos rapazes por quem não se interessava. Aliás, recusava a todos. Por mais que tentasse se encaixar em algum contexto, sabia que era diferente, e essa diferença ressaltava sua constante solidão. Os pais já não sabiam o que fazer. Esgotaram-se suas forças em tentar integrá-la ao mundo normal. Decidiram emancipá-la e deixá-la seguir seu próprio destino – por sua conta e risco. Queriam viver e voltar a frequentar a alta roda social. Ela emagrecera, mas não deixara de ser um peso para eles.
Maria “Isso ou aquilo” viajou o mundo. Cinco anos depois, retornou à cidade natal, toda tatuada, com diversos piercings espalhados pelo corpo e acompanhada de outra mulher. Sua companheira. Melhor dizendo, sua amante. Foi um escândalo. Foi rotulada de Maria Sapatão, Maria Sandália. Foi a gota d’água. Os pais a deserdaram. Um culpou o outro pelo desgosto. Separam-se, finalmente. E Maria “Desmancha prazeres” foi embora definitivamente. Voltou para o exterior e passou a pintar telas, destacando-se nas artes e passando a ser considerada uma das mais renomadas artistas plásticas. Encontrou seu caminho, descobriu sua essência. Até hoje, assina suas obras de arte simplesmente como: Maria. Nada mais, nada menos.