Caminho...
Caminho... Não sei precisar o tempo!
Sobre meus pés, areia fina e quente, o dia parece interminável. Onde estará a noite fresca que nunca chega? Onde estará a lua cálida com suas estrelas? Só este sol abrasador, na mesma posição no firmamento.
Caminho... Onde estão as minhas roupas? (eram tantas) Meu corpo está coberto por trapos sujos e fétidos... Tenho sede!
Caminho... Passos curtos... Vacilantes... A cada passo sinto dores fortes nas pernas, mas independentemente de minha vontade, elas teimam em andar... Que estranha força é esta que me impele ao Nada?
Caminho... Não há nada a meu redor... Nenhuma forma de vida. Mas mesmo assim ouço vozes me humilhando. Dizem: Caminha covarde, caminha assassino, nunca fugirá de nós... Quem são? De onde vêem?
Caminho... Sinto que o odor fétido é de minha carne putrefata.
Caminho... Lembranças vêm a minha mente como clarões... Surgem cenas, lugares, pessoas... Mas como clarões minha mente se esvazia. Não sei mais quem sou nem o que faço aqui, há quanto tempo vago por este deserto.
Num lampejo mais forte vejo a cena em que uma jovem senhora afaga uma criança que chorava ao despertar de um pesadelo... Ela o ensina a orar.
Será este o caminho? Busco lembranças de como orar, mas não sei como fazê-lo... Lembro-me agora, que passei grande parte de minha vida preocupando-me em “ter” as coisas... Sempre mais... Sempre as melhores... Sem me importar de como obter estas coisas. Se de forma lícita ou não, ou a quem magoaria com minhas ações... Além do “EU” nada mais importava. E agora... Quem sou eu? O que sou eu?
As imagens da senhora agora, são mais freqüentes. Ela ensina um jovem a orar. Começo a balbuciar, repetir, as palavras que ela ensinava ao jovem. Noto que as palavras incomodam as vozes que me ofendiam, elas se enfurecem. Tentam arrancar as lembranças da bondosa senhora de minha mente... Tentam arrancar a minha mente!
Repito com mais força as palavras, clamo por Deus... Eu que sempre negara sua existência, agora rogo seu perdão, é amor.
Vejo, naquele enorme mar de areia, uma sombra ao longe. Parecem árvores! Mas como? Sim... Um oásis!
Corro... Tento me desvencilhar das vozes... Corro... Minha alma se enche de um estranho alívio... Corro, nem sei como, mas corro. As imagens do oásis agora bem nítidas formam um porto seguro em minha mente. Sinto que é um refúgio que devo alcançar. A poucos metros vejo uma figura feminina. Longos e encaracolados cabelos negos, envolta em fina túnica branca. Esgotado pelo cansaço, caio inerte na fina areia quente, que parece entrar em minha carne decomposta.
Quando volto a mim, estou deitado próximo de uma pequena fonte de água cristalina. A mulher lava minha face com aquela água, faz com que eu beba aos poucos, sorri! Ah... Como é bom ver um sorriso, há quanto tempo uma coisa tão simples me fazia tanto bem. A água não é comum, parece mais leve, fluídica, etérea, não sei definir... Mas ela me completa, ocupa os espaços vazios de mim. Água... Não me lembro de ter dado tanto valor a uma coisa tão simples.
Lembranças voltam a minha mente, reconheço na mulher ao meu lado, é a jovem senhora que me socorrera como minha mãe que me deixara em tenra idade. A mesma voz macia e doce, que agora me lembro, falava aos meus ouvidos quando lutava para possuir coisas que não me faziam falta. E eu não dava ouvidos. Percebi que ela nunca havia me deixado, eu não tinha a sensibilidade para ouvir seus sábios conselhos. Quando me ensinava, de forma sutil, a importância do “ser” em detrimento do “ter”.
Percebi o mal que fiz a mim mesmo, as lágrimas que rolam dos olhos são como balsamo que reconforta todo o meu ser. Percebo que neste plano em que me encontro tenho uma maior clareza nos pensamentos. Ela não diz uma única palavra, mas percebo tudo que tenho que aprender de agora em diante. Sinto que a estrada ainda será muito longa, mas com certeza, não menos penosa. Pois agora as dores do remorso serão bem maiores que as dores da carne.
Caminho... Mas agora com lucidez que nunca tive nos anos em que a “matéria” era mais forte que meu “espírito”.