Alice

Já faziam seis horas que ela tinha acordado,nas últimas quatro horas ela analisou os prós e os contras decidindo se seria uma boa idéia acender a luz ou o mais prudente seria aguardar. A única certeza é que centenas de minutos já tinham se passado e nada havia acontecido. Resolveu agir por instinto, já que estava a uma hora e meia de pé ao lado do interruptor,não tinha como voltar atrás agora. Encostou suas costas e mãos na parede fria e úmida.

- Ok. Nada vai nos impedir agora. - Sussurrou ela pra si mesma sentindo-se confiante, pois não ouviu ninguém retrucar na sua mente.

Sua mão direita lentamente foi escorregando parede acima em direção ao interruptor de luz, ela já não sabia dizer se a parede estava realmente úmida ou era sua mão suando gelado. Aqueles míseros centímetros em busca do interruptor foram sua Via Crucis. Enfim o encontrou.

-Ninguém esta aqui, ninguém esta rindo de mim, ninguém esta me apontando o dedo, vou acender a luz e somente eu estarei aqui. - Pensou ela mexendo os lábios como se falasse para o mundo todo ouvir.

Empurrou o interruptor para baixo com toda a força como se ele tivesse o peso do mundo.

A luz acendeu e seus olhos se fecharam no mesmo instante tudo o que ela via eram borrões azuis e amarelos em um fundo roxo. Ela fechou os olhos com força e suas pálpebras espremiam seus olhos como se aquelas manchas coloridas pudessem ser extraídas de seus olhos tal qual uma esponja encharcada sendo espremida.

Ao passar o desconforto visual, começou a abrir seus olhos lentamente, ainda via borrões, mas não tão coloridos, os borrões começaram a tomar forma. E as formas revelaram uma garota à sua frente. Ela estava lá do outro lado do pequeno cômodo, e à medida que ela se aproximou da garota percebeu que na verdade ela estava diante de um espelho, nua. Com um olhar tímido e ao mesmo tempo surpreso, olhou para si, e para cada parte que admirava com ternura no espelho, a suas mãos tocavam no seu corpo. Seus olhos começaram a ficar turvos, ela gostaria que eles transbordassem de borrões coloridos e não de lágrimas.

Ela percebeu o quanto cresceu, o quanto mudou, quanto tempo passou desde a última vez que viu seu reflexo em um espelho. Ela cavou fundo nas suas memórias e a cena mais recente e nítida que ela pode encontrar, ela era uma garotinha, que falava com as paredes, que falava sozinha e com mais ninguém. Suas memórias ficaram confusas, e agora ela via homens e mulheres vestindo branco, que lhe traziam comida, água e comprimidos, lembrou-se de quantos dias e noites chorou com saudade dos pais, o quanto queria estar com eles, estar em seu quarto e não naquele, não suportava as vozes e gritos na sua cabeça, desejava fugir do medo. Até o dia em que sem querer, tocou o interruptor e apagou a luz, e viu como lhe caia bem a escuridão, parou de chorar, acalmou seu desespero, se as paredes daquele lugar não lhe davam atenção como os as paredes de sua casa, então era melhor não ve-los .Ela tomou a noite para si e a noite a acolheu. Até o dia em que aqueles que vestiam branco não lhe levaram remédios, e naquela tarde ela resolveu acender a luz.

A sua grande dúvida não era como foi que ela chegou ali, muito menos que lugar era aquele. Agora em sua mente não havia vozes nem risadas e nem gritos de horror ou gemidos de dor. Ela poderia ser algo novo, algo que nunca pode ser antes. A grande questão era, afinal, quem ela seria agora?

Fábio Monteiro
Enviado por Fábio Monteiro em 03/04/2009
Reeditado em 09/04/2009
Código do texto: T1521087
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