"NÃO SABE NADA, NÃO SABE NADA, NÃO SABE NADA!!"
Repetia as mesmas coisas o tempo todo. Era uma espécie de papagaio humano. Lembram-se do Barbosa, aquele personagem da TV Pirata? Então, era pior, muito pior... Aquele ao menos arremedava o que os outros falavam à sua frente. Ele não. Repetia a mesma coisa tatuada em sua cabeça doente, o que, obviamente, proporcionava um aspecto muito mais alienado àquela famigerada frase que reproduzia.
Sua família nem ligava mais. Abandonara todas as esperanças e tiveram, por força das necessidades, de seguir a vida sem poder contar com ele para nada. Antes, tentaram sem qualquer sucesso todos os tipos de tratamentos possíveis e imagináveis, cabíveis de serem aplicados a um ser humano. Até para a Europa e Estados Unidos o levaram, várias vezes. Mas jamais obtiveram o mínimo efeito. Ele continuava, ininterruptamente, aquela repetitiva cantilena dos infernos.
É bom aqui um parêntese, para elucidar como esse estranho distúrbio viera a instalar-se na vida do pobre. Para isto voltaremos exatamente aos seus sete anos. Por esta idade era um garoto normal, como qualquer outro. Olhar vívido, risonho, sensível e franco, brincava com os amigos, futebol de rua, pega-pega, esconde-esconde, vídeo-game, enfim, uma vida igual a de muitos garotos nas mesmas condições.
Era começo de ano e finalmente ele estaria ingressando na escola para fazer o primeiro ano da escola primária. Não participara de pré-escola já que seus pais preferiam ver-lhe solto, a brincar pelas ruas, sem nenhuma obrigação com nada enquanto pudesse ser assim. Queriam dar-lhe a oportunidade de aproveitar os benefícios e prazeres da infância ao máximo que pudesse. Pois, lógico, completados sete anos tiveram necessariamente que matriculá-lo na escola para a devida alfabetização.
Até aí, nada demais que não acontecesse dentro da normalidade com milhares, milhões de crianças deste mundo afora. E lá se foi ele para o seu primeiro dia de aula. Escola boa, a melhor da cidade, companhia de crianças da nata da sociedade local, enfim, um ambiente totalmente propício ao desenvolvimento intelectual do garoto.
O que ninguém contava é que caíra em uma classe em que todos os coleguinhas já haviam feito pré-escola e, portanto, sabiam um pouco do reconhecer letras e palavras. Estavam num nível superior de conhecimento em relação a ele que, até aquele momento, apenas brincara. A professora totalmente ignorante de sua real condição no que diz respeito às letras, fez-lhe perguntas que naturalmente não sabia responder.
Foi aí que tudo sucedeu. As outras crianças mais socializadas e acostumadas com o convívio no ambiente de uma escola, numa brincadeira inocente, reagiram à ignorância singela dele, entoando um corinho pausado, agudo, que dizia assim: “Não sabe nada, não sabe nada”. A professora achou até bonitinho e, não viu maldade na manifestação daquelas tenras crianças e com um sorrisinho ao canto da boca deixou a cantilena repetir-se por cinco ou seis vezes antes de interrompê-la.
Já mais tarde, quando de volta da escola adentrou em casa, ele, com um semblante totalmente plastificado, sem contrastes, já ecoava pelos corredores o que seria seu exclusivo chavão por toda existência: “Não sabe nada, não sabe nada”. Repetiu a noite inteira, o dia seguinte todo e mais todos anos vindouros a fio. Desta forma seguiu sua vida. É bom dizer que ele “Não sabe nada”, até os dias de hoje.