Januário
Ontem estava chegando do trabalho quando ouvi uma conversa gritada vinda da casa vizinha. Auditivamente alterada, a voz fina e aguda ecoava no jardim e alcançava os ares alheios. Com quem falava era um mistério. Foi assim:
- Eu quero saber onde está o Januário! O Januário! Onde ele está? Não fique me olhando com essa cara, já te perguntei uma vez, vou perguntar a segunda... Onde está o Januáááário? Não me dê as costas, olhe pra mim quando estou falando com você.
E começou numa voz chorosa:
- Porque me trata dessa maneira, me responda, por favor. Mostre-me o que fez com ele, por favor.
Passaram-se alguns minutos de silêncio que me pareceram horas. Fiquei na janela – onde estava desde que cheguei a casa - para saber onde estava o dito cujo do Januário, que, acredito, devia ser um dos gatos de minha vizinha maratonista. A curiosidade a respeito do paradeiro do Januário já estava me consumindo e por pouco não fui até lá tomar partido da vizinha e arrancar pela força a resposta. Em poucos instantes a gritaria recomeçou:
- Eu quero que você vá embora dessa casa, mas antes me diga onde está o Janu, o que você fez com ele? Vá embora daqui! Não quero mais ver a sua cara na minha frente. Não, não, não sente, não sente, saia daí! Eu vou procurá-lo e se não encontrar eu vou te jogar no olho da rua, entendeu? Reze para que eu o encontre, reze!
Esses foram os piores minutos da minha vida. Eu escutava muitos barulhos, muitas portas batendo e soluços desesperados. Por várias vezes abri a porta para ir até lá e ajudá-la a encontrar o desaparecido. Eu comecei a procurar o Januário pelo quintal, sem nem saber a cor dele ou de que tamanho era. Deu-me um desespero alheio que palpitou meu coração até ficar sem ar. Quando ouvi o choro dela, chorei também. Aí tudo recomeçou, com aquela calma que antecede as desgraças:
- Ele não está aqui. Agora eu quero que você saia daqui. Agora! Vamos, vamos.
Fiquei olhando estupefata, e tão rápido quanto as minhas lágrimas secaram, a vizinha saiu porta fora com uma vassoura na mão, dando tapinhas na poupança de um gato amarelo.
- E não volte nunca mais!