A vizinha

Sempre que olho pela janela ela está lá à espreita. Às vezes com a cuia do chimarrão entre as mãos, outras vezes sentada sozinha no pátio rodeada pelos muitos gatos de estimação. A todos chama pelo nome com uma voz fininha que é de arrepiar qualquer ser humano, mas seus bichanos adoram e a seguem por toda parte, em busca de comida, afago.

Sempre que estou fora de casa ela está dentro, e assim que entro, ela sai. Provavelmente não gosta de dividir o mesmo espaço aéreo que eu, ou respirar o mesmo ar. Somos vizinhas há alguns anos e não trocamos mais do que meia dúzia de palavras. Do tipo forte, ela está sempre vestindo agasalhos de ginástica, mas não sei se o pratica, pois a ausência de curvas mostra o contrário, tênis comuns, rabo de cavalo, camiseta, parece que vai fazer um Cooper a qualquer momento.

Nunca me convidou a entrar em sua casa, tampouco cumprimentar-me ao portão. Além de não querer dividir o ar comigo, também nunca ofereceu uma cuia de chimarrão para começarmos a entrosar uma amizade. Bom, quando estou fora de casa e aberta a qualquer aproximação, a casa dela está misteriosamente fechada. Com ela dentro.

Existe uma garagem a céu aberto que guarda precariamente seu carro, logo à frente a porta de entrada com grades, uma fechadura sem chaves e entreaberta num ângulo pequenino para seus gatos poderem entrar. Em seguida uma saleta com mesa e quatro cadeiras junto à janela que vive aberta, encostada nela uma escada rudimentar para os gatos subirem, do tipo que tem um pedaço de pau no sentido vertical e vários pedaços menores na horizontal, pregados no meio daquele que vai servir de apoio e que liga o chão ao parapeito. Tem entrada para eles em todos os lugares da casa.

Eles costumam desaparecer de tempos em tempos de maneira incompreensível, os outros vizinhos dizem que os bichinhos morrem envenenados, mas nunca vi nenhum deles morto, e sim sumidos. E no dia seguinte para surpresa geral, o pátio dela está cheio de filhotinhos brincando e ronronando. Sempre acontece isso. “Morreu, brotou”.

Eu tenho uma gata preta chamada Pompom, ela só vem para casa para dormir, na terceira safra de bichanos sumidos da vizinha, fui gritar sozinha lá fora que se a minha gatinha aparecesse morta, eu “sabia” muito bem quem é que tinha feito a maldade.

Esse é outro mistério. Pompom nunca morreu ou teve sequer um acidente, e não entra no jardim da vizinha. Acho que minha vizinha é uma espécie de bruxa ou coisa assim, uma cientista em busca da fonte da juventude, uma espiã que usa gatos para disfarce ou uma maratonista na pior das hipóteses. O que me deixa pasma é o sumiço dos gatos adultos e o aparecimento dos gatos jovens. São todos das mesmas cores, aqueles que somem e aqueles que aparecem. No sumiço da leva passada quando estava na hora do reaparecimento dos filhotes, notei uma grande quantidade de gatos pretos, iguais a minha, não tão bonitos é lógico, mas como estava difícil de distinguir a minha dos outros resolvi chamá-la na esperança de que uma delas seria minha gatinha. Suspirei aliviada quando em resposta aos meus chamados Pompom miou de cima do telhado.

Nesse último sumiço, não sobrou um gato preto para contar história. Só a minha.

E minha vizinha fica lá, à espreita.

Michele CM
Enviado por Michele CM em 09/03/2009
Código do texto: T1477448
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