O estacionamento - Da série Supermercado
Numa tarde chuvosa do mês de junho de um ano qualquer, meu marido me deu a notícia: “Vou viajar na quinta para São Paulo e só volto na sexta”. Depois de todas as explicações de como, onde, com quem, de que jeito e porque, pensei que seria uma boa ir contra o meu terapeuta, aproveitar a ausência de meu marido e entrar num Supermercado: sozinha!!
Tive um misto de angústia e alegria já que travaria uma aventura, uma sensação estranha se apossou de mim, me sentia um Indiana Jones de saias em busca da revelação divina dos produtos expostos nas prateleiras, ou em linguagem supermercadista: gôndolas. E eu que quando penso em gôndolas logo imagino Veneza na Itália, com todo aquele romantismo dos gondoleiros que remam pelos canais levando casais apaixonados, ou então simplesmente completam travessias, já que as águas dos canais estão subindo alguns centímetros a cada ano que passa e provavelmente daqui a alguns anos os gondoleiros deverão solicitar autorização da marinha italiana para poder navegar em mar aberto. Sumirá do mapa a Piazza di San Marco e, ao menos que nos pacotes turísticos esteja incluída roupa de mergulho e oxigênio, só a veremos através de imagens. Mas isso é especulação.
Como eu dizia: Iria resolver os mistérios das “gôndolas” e o que elas escondiam. De mim.
Escolhi a quinta-feira da viagem de meu marido, já que na sexta ele voltaria e iria ao mercado. Saí do meu trabalho e fui para casa encher-me de coragem, mas o que fiz foi encher os pulmões de cigarro, a carteira de dinheiro, talões de cheques e cartões de toda sorte, para que a caixa registradora –aquele ser sem coração- não me cobrasse mais do que todo o dinheiro que havia levado. Fiz rapidamente uma varredura na despensa e constatei que meu marido tinha sido muito bondoso em provê-la de alimentos antes de viajar. Procurei na fruteira para ver se alguma coisa estaria faltando, porque ir ao mercado sem comprar nada seria no mínimo suspeito. Iria comprar um detergente, estava decidido. Peguei minha bolsa, que nessas alturas mais parecia um banco 24 horas ambulante, as chaves, e só não peguei o revólver porque não sabia onde estava.
O que é o estacionamento de um mercado, meu Deus? Quase desisti, porque tinha tanto carro que imaginei que a população inteira da cidade estava ali. Mas, alma boa de cliente que acaba de fazer “o rancho” – explico isso em outra oportunidade – e calmamente manobra para ir para casa, dei sinal para a direita logo atrás, mal dando oportunidade dele sair do lugar, mas a vaga era minha, eu tinha visto primeiro, e quando ele mudou da marcha ré para o arranque, quase arranquei seu para choque tamanha ansiedade de estacionar. Muitos blá blá blás depois, troca de telefones e a garantia com testemunhas de que eu iria pagar o conserto do carro no dia seguinte, consegui estacionar. Naquele momento ouvi as trombetas dos anjos, e fiquei ali curtindo a façanha bem sucedida de “chegar ao supermercado”. Para mim foi o auge e enquanto continuava dentro do carro, com aquela sensação de ter a coroa de louros na cabeça, percebi o movimento intenso de carros manobrando e saindo do estacionamento, em cinco minutos ou menos eu teria no mínimo 113 vagas à minha disposição.
O número foi aumentando, e logo estaria quase sozinha, com exceção de algumas poucas bicicletas que deveriam ser dos funcionários, e então nem elas estavam mais lá, e somente dei por minha solidão quando as luzes do supermercado se apagaram e o guardinha veio bater no meu vidro: “Tamo fechando aí, a senhora tem que sair preu fechar o estacionamento”.
Voltando para casa com o carro batido, sem detergente, e a sensação frustrada de ter ido à Missa e o padre ficado mudo, tomou conta de mim.
Mas haverá outras vezes. Não desistirei!