Ele e Ela
Ela caiu. Deslizou pela superfície macia e foi parar ao chão depois de uma queda de aproximadamente um metro e setenta. Ele não sabia explicar aquilo. O que teria causado isso? Que motivos levaram-na a cair? Talvez a resposta estivesse em seus pensamentos mais obscuros, os que ele mesmo negava.
Tudo acabou sedimentando a tal ponto que ela caiu: as desilusões, as mágoas, todas foram se acumulando e assim ela se deu a cair. O filme triste a que ele assistiu também fora responsável. Sem contar a solidão, a saudade, o medo, a amargura, a insegurança. Porém nunca lhe ocorrera que ela viesse a cair novamente, não agora que ele jurava de “pé junto” que estava bem. Seria possível que ele até soubesse o real motivo de tudo aquilo, mas não admitiria jamais, nem para si mesmo.
Houve um tempo em que ela caia todos os dias, em certas ocasiões mais de uma vez. Há muito cansou de vê-la. Não havia motivo para espanto - acabou percebendo - mais cedo ou mais tarde ela teria que ir ao chão de novo.
Acabou tentando lembrar os meios que a faziam cair com freqüência. Começou pelo óbvio, as sensações que lhe incomodavam. A aflição, o desconforto, o desprazer, até mesmo a dúvida. Muitas músicas também a faziam cair – recordou-se. Cenas nos jornais, nas ruas, no colégio. Foram vários os momentos que ele a viu, é impossível citar todos.
Antes de dormir pensou mais um pouco, lembrou que também ela caíra em momentos alegres. Sim. Por que só agora ele havia notado? Ela só pode ter caído por isso: alegria. Quando constatou que era verdade viu seus olhos brilhando de felicidade no espelho. Foi então que ela caiu. Deslizou pela superfície macia e foi parar ao chão depois de uma queda de aproximadamente um metro e setenta. Ele, um simples garoto. Ela, uma não mais triste e amarga lágrima.