vazio
Antigamente Celso acordava por acordar nas praias douradas, debaixo do sol, nas dunas entre sobras, sem reparar em isso.
Antigamente Celso esticava a mão e podia dispor dum fruto bem fresco. Gelo no congelador nunca derretido, e a miúdo muito a miúdo, colava seu coração a um belo rosto acima do peito adormecido.
Acordava Celso de esta forma, nas tardes de verão, no imenso prazer de a si mesmo contemplar-se como um dia eterno dum falso calendário, onde apenas as horas prazer deviam ser anotadas.
E é que um mês de férias da para o demasiado. Celso abusava, por que sempre fora assim, de tendências ao excesso, de esgotar-se na abundância.
E logo um ano passa, muito lentamente mais ao final cruza sua própria marca. E a seguir começa um ciclo dos que nunca tendem a perpetuar-se.
De ai agora Celso um pouco mais calvo, os olhos que não contem cintilares laranja, em fundo azul céu não contempla essa graça com a pupila a recair numa seca sensação de lastima, nem o riso sabores sustem de fresca, invejável arrogância, como naquele passado em que juventude era sinônimo de elegante. Ate de soberba.
Tudo mais vem abduzido agora pelo rito da rotina que corrompe entranhas no aborrecimento.
- Da me um pão de trigo – diz ele, mas ninguém repara.
- Da me um pão de trigo! – grita ele, e uma mulher de idade avançada, fica parada, como todos os idosos ante gritaria.
- Não aprendeu ainda a respeitá-la! – diz a rapariga loura, bela, muito linda de sapatos brancos, vestido branco. E uma pasta na esquerda mão a se pousar no tampo da mesa que serve de secretaria ao homem que contempla sem dizer nada, por que a esta altura Celso já não saber dizer muito aquém do nada.
- Eu só queria deliciar o cheiro profundo dos aromas da infância!- Celso afirma, e volta a se deitar a modo, muito a modinho acima duma cadeira de cabedal castanho, ressoando e ecoando vozes que sonha, mas não pronunciara.
Estamos no médio da sala: tudo limpo, claro. A cor das sombras apenas grisalha. A luz das janelas ainda mais ampla que os caixilhos que as sustem de ponta a ponta minuciosamente encaixados. Uma janela trás outra do teto ao chão desenhadas, no frontal oeste devorando suas ultimas luzes à tarde.
Grande este salão, grande o edifício que contem 20 andares. Nos 14 estamos, mas Celso anda canso: algo de odor repugna seu cérebro fadigado, e as noites prefere esticar horas a chegar pela pronta a sua casa. Só ele é que sabe só ele é que sabe das noites insônia, pensa resignando e com um muito de egoísmo por força interiorizado, dentro do seu mundo em si fechado.
E o outro? O outro mundo passa a redor, mas ele não passa pelo interior da realidade, simplesmente o contorna, foge e se refugia, num prédio de 20 andares, no catorze, porta numero seis onde não atende côdeas de migalhas, onde não atende nenhures desde há já quantos anos?
- Alguma vez devia pensar em madurar
- Alguma vez tu devias azeitar que teu cabelo já não te pertence
- A quem pertence então?
- A os falsos colorantes, a sensual perfume barato.
- O senhor se sabe comportar também como um cabrão indolente!...
- A igual que tu, que sempre serás uma ajudante medíocre.
Quando é que chegou o Celso a este ponto, a esse estado? Pergunta o psiquiatra a sua mãe, mas sua mãe não sabe como respostar as seguintes questões acumuladas: Não haveria uma forma do convencer para vir a meu consultório? De alguma maneira ele se da conta da influencia que sua atitude tem nos seus estados de animo? Mais ou menos quando começou nele essa agressividade? De que modo lhe afeta quando ele lhe falta ao respeito? E tantas pelo estilo, como aquelas, estas em que apenas sua mãe finge sentir-se pouco a vontade.
A mãe, sua mãe se sente culpável e não resposta. Porque sempre as mães se sentem culpáveis, porque a miúdo as mães por eles dão tanto, tanto que não dão a resposta? Porque sempre o porquê encerra outro por que semelhante, ate no infinito se perder sem nos dar sossego, nem calma? Pensa o psiquiatra, pensa a mãe, e agora mesmo pensa Celso que a linda loira que lhe for proposta pelo seu irmão para passante no, (jornada sem limite, trabalhadora incansável, luzida e lúcida, de mente desperta; aberta, segundo a proposta a fazer seja realizável) nunca aceitaria, nunca iria aceitar nem por um instante, os insinuantes e lascivos passeios às aforas da cidade de carro. Que ele tanto imagina a vez que lhe rebentam as ânsias, os medos de se afirmar no espelho careca de rugas marcadas. Pensa e pensa, em décimas de segundos, em milésimas quanto se pode maquinar, quantas milhares de idéias, milhões de lixadas palavras. Paradas no nada.
Pensa Celso e decide, da sua mente puxá-la, largá-la do oco interior por suas próprias desesperanças, a inconsciência, fabricadas.
- Então não há ninguém a esperar por si na casa
- Meu filho mais novo, que é cuidado pela minha irmã casada.
- Bom!... Pois a que espera para ir ter com ele. Não será sua irmã a cuidá-lo todo o dia, o seu marido também deve precisar dela, não é?
- Bom, pois se não precisar alguma outra coisa...
- Pode marchar...
- Obrigada, então se nada mais deseja, vou-me embora...
- E diga-lhe a senhora Adília, que se vaia consigo, ao fim e ao cabo se não sabe preparar uma fatia de trigo, para que eu a preciso?
Abre-se a porta sexta do quatorze andar, abre-se o elevador silencioso e bem musicado: “ding-dong”! Abre-se um oco no umbral doentio, que no coração lamurias inventa oferecer enquanto a senhora Adília e a loura abençoada enfiam, para não voltar ate amanha dez horas da manha, quarenta minutos depois de que o Celso tenha o pequeno almoço começado, esfriado; e a porta de saída (ao invés) de novo se abra.