Em São Paulo... e não Manhattan

Acaba de digitar a mensagem e, antes de clicar em "ENVIAR", engole seco e levanta os olhos do teclado, onde vinha caçando, freneticamente, letra a letra sua mensagem desesperada. Era estranho não ter mais o dedo anelar. Sua testa sangrava generosamente, empoçando no canto dos olhos. A dor de sua perna direita, provavelmente quebrada em 3 lugares, não parecia ter muita importância agora.

Tinha que ajudar aquelas pessoas, e rápido. Era seu dever por ter continuado vivo, sua sina por ter ido ao banheiro exatamente na hora da explosão, pensando como o destino às vezes é uma coisa engraçada que irrompe em sua vida quando tudo parece absolutamente regrado e dentro de uma ordem cósmica padrão, sem saber que era o próximo protagonista da história.

Foi rápido, estava olhando para o teto quando aconteceu; uma pequena fenda que em instantes estava a centímetros de sua cabeça. Seu corpo girou e enfiou-se instintivamente embaixo da pia onde, ao seu lado, um corpo decapitado que não teve tanta sorte, jovem, 23 se muito. Gritos de horror vinham de fora, todos diferentes mas pedindo pela mesma coisa: ajuda, socorro, Deus. Choro lamurioso e fúnebre, nada além de pequenos gemidos por suas almas.

Saiu gritando por alguém, não por ajuda, nem por socorro, muito menos por Deus. Chamava por qualquer pessoa viva, inteira, que lhe dissesse que não estava realmente ali, que lhe assegurasse que tudo não passava de uma alucinação, talvez um flashback do LSD

que experimentou certa vez no ano anterior. Mãos estraçalhadas agarravam seu calcanhar - gritava mais alto - braços levantando em muda súplica - corria cada vez mais depressa para longe dali. Queria poder ajudar, mas não queria ter que ver.

Chegou no portão de embarque envidraçado. Além dali e do lado de fora do saguão elevado do aeroporto de Congonhas, uma cena digna de produções de Hollywood: uma névoa cinza de concreto e poeira onde, brincalhona, uma leve brisa revelava pedaços de uma

cidade destruída. Um instante e via aviões retorcidos e rasgados como papel...a névoa se fecha novamente...alguns segundos depois e esqueletos em ruínas de prédios contra o horizonte sem cor. Lá dentro, vermelho.

Ao longe vê um computador com a tela vacilante, oscilando e piscando freneticamente. Teria que servir, devia existir mais alguém na mesma situação dele no mundo. Mas estaria ela conectada à internet? Tentaria mesmo assim. Tinha de contar a todos o que se passara ali, como um dia normal havia se transformado em um pesadelo cinematográfico.

Como o que via era real e não efeitos especiais.

Como era São Paulo e não Manhattan.