Um Pedido de Socorro em Forma de Livro de Auto-Ajuda
Eu faço aniversário 30 de janeiro e janeiro costuma ser um mês terrível pra mim. É o mês do meu inferno astral e inferno astral é a unica coisa na astrologia em que eu acredito, além do fato de que a minha lua em Escorpião contribui decisivamente para que eu tenha determinadas perversões impublicáveis. De qualquer maneira, nessa época eu sempre fico nessa fossa de merda, que felizmente acaba depois do dia 30, a não ser quando a minha mãe não lembra do meu aniversário, o que normalmente acontece quando o ano é ímpar.
Minha família sempre foi muito prática na comemoração de datas festivas. No dia dos pais do ano passado nós aproveitamos que a família estava reunida e comemoramos também o natal, o reveion, o aniversário de dois dos quatro irmãos e o dia das mães do ano seguinte de maneira antecipada, na tentativa de economizar no bolo, nos salgadinhos e no convívio com o Tio Rubens, que todo mundo acha chato, principalmente quando ele começa a contar as histórias da amizade dele com o prefeito de Paraibuna. Talvez por esse desapego familiar às datas festivas, nunca senti a mínima necessidade de comemorar o dia em que eu nasci. Às vezes, eu inclusive lamento a data, muito embora isso só aconteça quando eu esqueço de tomar determinados remédios ou quando a minha mulher me chama de traste.
Já está mais do que óbvio que essa tristeza em relação ao meu aniversário tem origem na infância. Minha família não se preocupava em me promover festinhas e até completar sete anos de idade, eu desconheci a data do seu próprio nascimento, o que gerou situações constrangedoras, como no dia em que apaguei as velinhas do caixão do meu avô, achando que elas tinham sido acesas em minha homenagem. Na minha inocência infantil, ainda gritei algo como “Viva!”, ou “Muitos anos de vida!”, e na carona disso, minha avó Jerusa teve uma crise histérica, o que, segundo o tio Rubens, contribuiu decisivamente pra que ela desenvolvesse a doença cardíaca que até hoje ela nunca manifestou, mas que segundo o Tio Rubens, certamente vai matá-la.
A regra é que, pra mim, o mês do meu aniversário é invariavelmente marcado pela melancolia e pela depressão. Em outras épocas, eu me refugiei nos livros de auto-ajuda na tentativa de seguir em frente nessa hercúlea tarefa de concretizar o plano divino que certamente me reserva uma grande prosperidade ou um fracasso retumbante, o que no final das contas vai acabar dando na mesma porque de qualquer maneira eu vou morrer, como alias acontecerá com todo mundo que eu conheço, talvez com excessão da Glória Maria e alguns cantores sertanejos. Entretanto, nesse ano, aproveitando o meu exílio voluntário na casa de praia da minha sogra insuportável, estou desenvolvendo alguns esboços daquele que será o meu primeiro livro de auto-ajuda destinado à promover o sucesso do homem moderno no âmbito familiar e corporativo. Não está sendo fácil escrever essa obra, principalmente porque a mocréia da minha sogra fica pedindo o tempo todo pra que eu ajude a lavar a louça ou cortar a grama. Mas nos poucos momentos de sossego, entre doses cavalares de repelente pra não ser devorado pelos borrachudos, eu sigo na escrita dessa monumental contribuição ao bem-estar da humanidade em forma de literatura cujo título provisório é “Desistir Jamais!”, e que só não será publicado em 2009 porque eu já desisti de procurar uma editora que se interesse em lançá-lo ainda esse ano. Por isso, aproveito esse espaço para apresentar de antemão alguns trechos do original, o que preciso fazer com certa pressa, antes que a minha sogra me encontre escondido debaixo dessa cama e me obrigue a dar banho no cachorro.
CAPITULO 1- Comece do começo.
Nem sempre é fácil começar, mas o começo normalmente é fundamental se você pretende terminar alguma coisa. Na minha vida pessoal, tive diversas experiências de fracasso resultantes da ansiedade de querer, digamos assim, construir o telhado antes de fazer os alicerces da casa. Curiosamente, foi exatamente isso que eu fiz quando me propus a fazer eu mesmo um puxadinho nos fundos do meu sobrado. Comecei, ingenuamente, pelo telhado e por isso acho que mereci ser chamado de idiota pela minha mulher quando ela me viu empoleirado em cima das telhas a dez centímetros do chão. Na realidade, a pouca altura do telhado salvou a minha vida porque quando despenquei de lá de cima, tive somente uma fratura exposta no braço quando poderia certamente ter morrido se possuísse algum tino arquitetônico primordial.
CAPÍTULO 9- Você é o lider de si mesmo!
É importante dar ouvidos à sua voz interior, mesmo que no começo seja difícil distinguí-la de uma crise de gases. Muitas vezes em minha vida eu paro e me pergunto se determinada atitude é a atitude correta a ser tomada. E se a resposta não vem imediatamente, a melhor recomendação é esperar. No verão passado, saí de casa com o firme propósito de comprar uma estante de armar pra conseguir dar um mínimo de organização à minha coleção de carrinhos Machbox. Chegando no shopping, minha voz interior me questionou se aquela estante era realmente necessária, frente ao fato de que até hoje, eu só possuo cinco carrinhos que podem ser facilmente acondicionados dentro de um pote de maionese. Fiquei estático no centro da praça de alimentação durante três horas e meia até que o meu psiquiatra foi chamado, mas o importante é que eu não tomei nenhuma decisão precipitada.
CAPÍTULO 16- Escute primeiro, fale depois!
Acredito piamente que essa é uma das chaves do sucesso e durante todos esses anos tenho aplicado esse ensinamento com resultados magníficos. Lembro quando trabalhava numa multinacional e fui chamado à sala do meu chefe, já sabendo que seria demitido por ter urinado no bonsai da secretária depois de um porre na festa de confraternização da empresa no final do ano. E antes que meu chefe pudesse dizer qualquer coisa, eu gritei:"Escute primeiro, fale depois!" pra então desembestar no relato lacrimoso de uma detalhada e autopiedosa auto-biografia que saia da minha boca aos borbotões tal qual as águas revoltas de uma comporta de hidrelétrica, sem dar ao meu chefe a mínima possibilidade dele interromper o meu fluxo de pensamento. O resultado é que após duas horas de falatório initerrupto, ele desistiu de comunicar a minha demissão, o que me deixou satisfeitíssimo, muito embora eu tenha sido barrado na portaria no dia seguinte.
CAPÍTULO 25 – Quem roubou o meu queijo?
Minha mulher sempre rouba o meu queijo e isso me deixa puto. Mesmo quando eu escondo o queijo atrás do pé de alface, ela vasculha a geladeira até conseguir me privar do meu único prazer matinal que é degustar o meu queijo enquanto folheio o "Guia dos Sonhos" em busca das interpretações adequadas para os sonhos estranhíssimos que ando tendo desde que decidi virar macrobiótico. Numa noite dessas, sonhei que estava tomando banho de terno e gravata. Quando acordei, vi que tinha tirado um cochilo durante a missa e que estava sem as minhas calças dentro da igreja. Estar sem caças dentro de uma igreja normalmente deixa qualquer um em pânico, mas depois constatei que ainda estava sonhando. Quando acordei de verdade, respirei aliviado por estar na segurança do meu quarto e no conforto da minha cama. Foi quando eu percebi que do meu lado estava dormindo um travesti, o que definitivamente acabou com a minha manhã.
CAPÍTULO 53- Se ninguém reconhece seu esforço, não se acanhe de dar tapinhas nas próprias costas.
De que adianta a bajulação alheia, se você mesmo não está satisfeito com o que acaba de produzir? Da mesma forma, qual é o problema de te chamarem de cretino se você não acredita na força da sua própria cretinice? Durante todos esses anos, desenvolvi a auto-acarinhação como estratégia de sobrevivência ao convívio com a minha mulher. Durante uma de nossas múltiplas brigas conjugais, eu decidi interromper o quebra-pau pra ficar beijando de maneira sôfrega a palma da minha própria mão enquanto gemia algo como “unham-unham”. Minha mulher se irritou à princípio, mas ao perceber que depois de duas horas eu continuava em lua de mel comigo mesmo, ela se retirou do recinto e, entre aborrecida e derrotada, foi procurar outra coisa pra fazer. Tomado por um irrefreável entusiasmo, decidi incorporar a experiência no mundo corporativo na primeira oportunidade. Na época, eu trabalhava numa firma contábil e o meu chefe estava com a macaca durante o fechamento dos balancetes anuais. Naquela manhã, como de hábito, ele emendou o “bom dia” com um esporro dirigido à minha pessoa. E no momento em que ele me chamou de incompetênte, eu comecei a fazer cafuné em mim mesmo, enquanto dizia “mamãe, mamãe...”. O resultado é que auto-envolvi numa sensação de conforto e acolhimento que se sobrepôs ao tenso estresse que o esporro do meu chefe poderia me causar. E voltei pra casa satisfeitíssimo, muito embora no dia seguinte , eu tenha sido barrado na portaria.