Podia se chamar Carolina.

Uma tristeza espichada, sentida, dormente. Não sentia dor, nem ódio. Não sentia nada extremo. Era como se estivesse envolta em pasta de algodão, molhada, arrochada e sufocante; tudo batia e voltava, nada conseguia penetrar naquela massa compacta e fria, de onde ela espiava a vida por uma fresta.

A boca andava sempre com um gosto metálico de sangue e o coração, sem sobressaltos, desgovernava-se, perdendo batidas, tentando recuperá-las depois em taquicardias breves. A cabeça pesava, meio oca de coerência, meio cheia de pensamentos vagos e fugidios, num esquecimento em parte buscado.

Podia se chamar Carolina, como na velha música que quase ninguém mais conhecia. Aliás, quem conhecia o mundo onde ela trafegava, trópega? Era um mundo feito de passado, de óperas e de música dos anos 80. Era um mundo onde as cores eram dos jardins de Monet, os perfumes lembravam Channel nº 5.

Descobrira que era antiga, que suas histórias já tinham anos e anos, que as teias de aranha a cercavam como fosse ela uma velha biblioteca onde ninguém entrava havia séculos. Que havia adiantado pintar a fachada do velho prédio, se o conteúdo era ignorado ou ridicularizado?

Sim, era antiga e detestava a modernidade, quando esta mostrava a face vulgar do mau-gosto. Antiga, como uma velha pintura que os olhos veem, mas não interpretam.

Ai! A mesma tristeza demente e sufocante, nem banho mais era prazer, nem comida a tentava, nem beijos, nem brigas, nem nada. Apenas a segurança da pasta de algodão molhada.

Agora devia esconder-se do sol e do seu calor, por que é sabido que a pasta de algodão molhada, sob o sol tem a propriedade de encolher, encolher, encolher...estava condenada à penumbra dos seus dias.