SIDERAL
SIDERAL
Beatriz e Gustavo estavam, à noite, sentados na varanda do casarão da fazenda onde o pai dela criava gado, no interior de Goiás. Eles iniciaram o namoro havia pouco mais de seis meses, quando o pai dele foi trabalhar na fazenda como Administrador. Ele era estudante de Zootecnia, enquanto ela estudava Psicologia na Universidade Federal de Goiás.
Eram quase dez horas da noite quando ela mostrou para ele uma pequena luz se deslocando no céu. Parecia que vinha na direção deles, cada vez mais rápido.
- Parece que vai cair aqui. – Ela disse assustada.
A luz, seguida de pequeno rastro, seguiu na direção do pasto e eles ouviram um baque surdo, no silêncio da noite na fazenda.
- Acho que caiu aqui na fazenda. É melhor falarmos com o teu pai. – Ele disse.
Eles correram para dentro de casa pra falar com o pai dela, mas ele já estava dormindo, porque não estava se sentindo bem.
- Amanhã pela manhã eu venho aqui assim que acordar, pra gente procurar lá no pasto. Vamos ver se encontramos alguma coisa. – Ele disse, dando nela um beijo de despedida.
No dia seguinte bem cedo eles foram procurar, para verificar se realmente tinha caído alguma coisa do espaço lá pelo pasto. A fazenda era muito grande e eles andaram cerca de meia hora, até que encontraram junto a uma sebe, uma pedra de cerca de cinquenta centímetros parcialmente enterrada. Ainda estava quente e o capim queimado pelo calor em seu entorno.
Sobre a pedra, que eles julgaram ser um meteorito tinha uma curiosa mancha branca. Por terem encontrado a razão da luz que colidiu com o solo na noite anterior eles voltaram pra casa e ela foi logo contando pro pai a novidade. Ele não deu muita importância. Disse pra eles que não foi a primeira vez, antes dela nascer outras pedras caíram ali na fazenda e ele nem sabe mais onde elas estão.
- Ainda bem que não me causou prejuízo nem caiu na cabeça de ninguém. Não dizem que tudo que vem do céu é divino? – Ele disse brincando.
Passados dois dias, o pai do Gustavo, o Administrador da fazenda, comunicou ao pai da Beatriz, que um novilho recém-nascido tinha desaparecido. Ele tinha posto todos os empregados à procura do bicho, mas não o encontraram. Disse, porém, que durante a busca foi encontrada uma coisa estranha perto de uma sebe, parecia um monte de musgo esbranquiçado perto de uma pedra esquisita que não estava lá antes, como garantiram os empregados que circulam por aquelas bandas.
- Deve ser essa pedra que nós vimos cair do céu naquela noite pai! – Disse Beatriz.
Foram todos ao local. E constataram que se tratava da mesma pedra, mas a mancha branca tinha desaparecido dela e o monte de musgo não estava lá no dia em que eles foram averiguar se alguma coisa tinha caído realmente no pasto. O cachorro de Beatriz foi cheirar a coisa estranha e ficou latindo pra ela sem cessar.
No dia seguinte o mesmo cachorro amanheceu morto na varanda da casa com a cabeça e parte do corpo tomada pela mesma matéria que constituía o monte encontrado perto da pedra lá no pasto, pelo que desconfiaram que tivessem encontrado o motivo do desaparecimento do novilho. Aquela coisa estava comendo os animais. Por via das dúvidas, resolveram queimar o que restou do cachorro.
Beatriz já estava ficando nervosa e à tarde começou a sentir coceira no ombro esquerdo. Tomou um remédio anti-alérgico e quando foi tomar banho ficou com impressão que tinha uma mancha esbranquiçada no seu ombro. Esfregou bastante sabonete e passou álcool e à noite comentou com Gustavo.
- Você deve estar impressionada, deixa eu ver... Viu, não tem nada! Tá até vermelho. Deve ter sido de tanto você esfregar. – Ele disse.
No dia seguinte ela não desceu para o café da manhã e a sua mãe preocupada foi até o quarto dela. Quando abriu a porta, deu um grito angustiante, o corpo dela, da cintura para cima, inclusive o rosto tinha se transformado em uma massa branca de musgo. Eles não sabiam o que fazer, chamaram a polícia e o médico da família. Mas ninguém conseguiu conter o avanço daquela substância assassina, que consumia, progressivamente, o restante do corpo da jovem. Gustavo, desesperado avançou com uma faca para a massa disforme em que estava se transformando a sua amada Beatriz, cortando-a em pedaços, na intenção de descobrir, sob aquela horrenda crosta, o corpo amado da namorada. Mas nada puderam fazer, o corpo disforme que antes era a linda Beatriz, foi levado para o IML e lá foi dissecado. Não encontraram nada além de massa pegajosa no interior daquele monte de musgo que foi, depois, encaminhado para o laboratório da universidade para ser analisada.
Gustavo quis acompanhar a análise junto com o Professor chefe do laboratório na intenção de verificar a composição daquela matéria a fim de destruí-la. A aplicação de radiação no tecido resultou em regressão do volume. A radiação revertia o processo das células que passavam a se auto-consumir, restando somente uma espécie de cinza de madeira. Eles comunicaram o fato às autoridades e aplicaram o mesmo processo no restante do que antes era o corpo da Beatriz, pelo que dela restou apenas um punhado de cinzas.
Os pais dela eram muito religiosos e quiseram que os restos dela fossem enterrados no cemitério local. Gustavo plantou uma roseira no local do enterro, era a flor preferida dela, e a manteve sob seus cuidados pessoais, observando-lhe o crescimento. Ali brotou anos seguidos, uma única flor por vez, a mais linda do qual tiveram conhecimento, grande, cerca de vinte centímetros, com as pétalas aveludadas da cor de sangue, razão de se pensar em considerar Beatriz uma santa. O local virou um santuário onde os crentes passaram a depositar pedidos e agradecimentos por graças alcançadas.