Efeito Kuleshov 4

Na Madrugada de Hoje

A geladeira se abre e uma mulher que aparenta ter uns 35 anos pega um jarro de suco de laranja e um copo de requeijão. Logo depois se senta à mesa e abre um pacote de torradas.

Ela toma seu café-da-manhã, sozinha, em silêncio. Silêncio que é quebrado por uma pancada na porta da sala.

A mulher levanta-se apressada e corre até a sala para ver o que houve. “Deve ser a entrega do jornal, está atrasada hoje”, pensou enquanto abria a porta e dava de cara com o jornal embrulhado em um saquinho plástico , caído em frente à sua porta.

- Finalmente!

Ela pega o jornal e o leva para a cozinha, onde continua tomando seu sossegado café enquanto folheia as páginas, procurando notícias importantes.

Na parte superior do jornal está a data do dia como 15 de agosto de 2008 e, a mulher parece estranhar ao ver aquilo.

- Quinze de agosto?

Ela olha em seu relógio e confere que a data é 14 de agosto.

- Esse jornal é de amanhã! Como isso é possível? A data pode ter sido impressa errada. Muita gente vai reclamar disso amanhã.

Algo vem à sua mente e ela resolve procurar pelo caderno de esportes. A matéria de capa é “Com participação apagada, Botafogo perde para o Náutico e fica mais perto do rebaixamento.”

- Esse... Esse jogo é hoje! Isso não está acontecendo, alguma coisa está errada. Como pode uma coisa dessas...

Ela vê no fim da página do jornal uma matéria sobre um acidente:

ESTRANHO ACIDENTE

Um estranho acidente ocorreu na madrugada de hoje quando uma mulher identificada como Raphaela Pereira Santos foi morta ao ser atropelada por um ônibus...

A mulher parece em pânico, assustada.

- Sou eu! Essa sou eu!

Por que aquilo estaria acontecendo? Como é possível receber o jornal do dia seguinte e ainda anunciando sua morte?

- Só pode ser uma brincadeira de muito mau gosto! Alguém está fazendo isso comigo. Não, como alguém faria uma brincadeira dessa grandeza? Não conheço ninguém capaz disso.

Raphaela não pára de pensar no que pode ter acontecido. Aquilo era estranho demais para ser aceito assim como uma simples brincadeira.

- E se for tudo verdade? E se isso realmente acontecer? Eu... Eu vou morrer! Nada de pânico, nada de pânico. Aqui está dizendo que o acidente ocorrerá nessa madrugada. Basta apenas ficar em casa, deixar de ir à festa de hoje e tudo vai terminar bem. Então, está tudo bem. Eu ficarei bem.

O tempo passa e Raphaela nem sai de casa, paranóica com o que pode lhe acontecer.

- Não fui trabalhar, não fui ao mercado.

Ela olha o relógio, que marca 4 da tarde.

- Ainda falta muito. Respira fundo, você vai ficar bem. Eu não vou sair, não vou sair.

O relógio marca 11 da noite e o medo só cresce cada vez mais. Raphaela se encontra deitada no sofá, com os olhos arregalados e suando frio.

Os ponteiros agora mostram que são 3 da madrugada e Raphaela ainda não saiu do sofá, segurando o jornal.

- É isso, está tudo bem. Vou pra cama, dormir e esquecer isso. Não foi nada, não aconteceu nada.

Ela joga o jornal no chão, levanta-se devagar e caminha ainda assustada, para seu quarto.

Da sala só é possível ouvir o barulho estrondoso da parede se arrebentando e o ronco do motor de um ônibus que parece quebrar muita coisa.

No chão está o jornal com uma página virada, indicando que a matéria havia uma continuação:

ESTRANHO ACIDENTE

Um estranho acidente ocorreu na madrugada de hoje quando uma mulher identificada como Raphaela Pereira Santos foi morta ao ser atropelada por um ônibus...

... Dentro de casa.

***

Por algum motivo Raphaela recebeu o jornal do dia seguinte, anunciando sua morte. Podemos dizer que uma força muito maior lhe ofereceu a chance de continuar vivendo e se não fosse seu medo e paranóia de morrer, nada disso teria acontecido.

Talvez fosse seu destino, sua morte só ocorrera porque soubera dela com antecedência e por esse motivo ficara em casa, esperando sair bem desse estranho ocorrido. Mas uma coisa é certa: quando estamos destinados à trilhar por um caminho, nada nos impedirá de seguir por ele, seja bom ou ruim.

Raphaela estaria viva se não lesse o jornal e seguisse normalmente com sua vida, mas tudo já estava programado para terminar como um... Efeito Kuleshov.

Leandro Freire
Enviado por Leandro Freire em 30/11/2008
Código do texto: T1311926
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