Ele inventou uma máquina do tempo

Para recuperar o tempo perdido, porque era o tipo de pessoa que vivia arrependido pelo que perdera a cada dia por si vivido. O ideal seria aproveitar todos os segundos da vida, não desperdiçar oportunidades que se desperdiçam pela simples razão que parte do sentido da vida passa por ternos de optar por diferentes caminhos, esquecendo os preteridos (ou fazendo por esquecer...) pela simples razão de ser impossível abraçar tudo, pois abraçar esse todo seria o mesmo que dominarmos a imensidão, e isso, que se saiba é apenas uma qualidade exclusiva dos deuses (ou de deus, consoante a variação do credo de cada um); ora como ele não dispunha de qualidades supremas, optou pelos instrumentos criados pelo homem, por aquilo a que os não devotos consideram a religião suprema que é a ciência. Dotado e invulgarmente ambicioso, no frio do seu laboratório construiu o que muitos consideravam uma ficção, mas que para ele foi, tinha urgentemente de ser a mais pura realidade, e foi assim que ao fim de alguns anos (e uns milhares de euros de investidores ingénuos que pensavam estar a financiar um projecto mais...viável) que num canto esquecido da construção soturna típico refúgio das almas solitárias, a invenção suprema surgiu, a invenção que deveria iluminar a humanidade, mas que ele queria exclusivamente para si, para tentar debelar a sua obsessão. Claro que antes da recuperação desse tempo perdido ele viajou, e muito, pelas diferentes épocas a apaixoná-lo, ou apenas em algumas cujos relatos dos historiadores considerava demasiado “folclóricos”, demasiado afastados duma realidade a urgir ser visitada. E ele assim o fez, mas depressa se fartou e afinal a história não ser a sua ciência de eleição, voltando então ao ponto de partida; e foi assim que ele deu consigo a recuar para a sua própria história pessoal, salto irrisórios perante o enorme potencial tido entre mãos, mas significativo, demasiado significativo para se perder essa oportunidade única de alterar as pontas soltas duma existência que considerava imperfeita. Mas (há sempre um mas perturbar as nossas mais sacrossantas resoluções...) na altura do poder alterar o seu primeiro grande momento, ele deu consigo a hesitar...faltou-lhe coragem, ou as perspectivas de profundas alterações no futuro o fizeram recuar? Não soube responder, e por isso escolheu outro momento, menos significativo, sendo então que hesitou de novo, procurando novamente outros acontecimentos menores, mas cada vez que o fazia, os receios continuavam a existir. Se ele fosse um adolescente inconsciente talvez ousasse, mas ele era apenas um ser obcecado com o rumo do tempo, valência demasiado insignificante para que ele ousasse...E foi então que, depois de inúmeras viagens ao seu passado, ele se fartou, se conformou com a vida angariada por si, pelo rumo dos acontecimentos, pois (pensou) ao menos nestes podia ter alguma decisão, algum poder de manobra que perderia se se pusesse a alterar o passado, por muito insignificantes que fossem essas alterações, pois, recordou-se da máxima por si inventada quando finalizou a invenção: se tirarmos uma pedra daquilo que será uma estrada, essa estrada poderá nunca existir. Por isso desistiu da sua quimera, e talvez egoisticamente a destruiu, pois o homem deveria continuar a ser o senhor do seu futuro, mas apenas há medida que este se ia desfilando á sua frente.

Ele inventou uma máquina do tempo

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