II Guerra Mundial
Meu nome é Júlio Sinclair. Eu era 2º sargento do 3º Pelotão da Companhia Fox durante a segunda guerra mundial.
Havia cerca de 80 homens comigo na Normandia aquele dia. Nós estávamos indo até uma cidade ocupada pelos alemães, com o objetivo de dominar a cidade e abrir caminho para os nossos tanques. Tudo estava indo bem até que em um ponto da estrada apareceu uma vila.
Aquele vilarejo não estava em nosso mapa. Era um mapa recente e a vila parecia ser bem antiga olhando de longe. Nós nos escondemos na mata e mandamos dois homens à frente para saber se a vila também havia sido ocupada ou se estava abandonada. Já era fim de tarde, eles saíram e nos ficamos escondidos esperando.
Já passava das 19h00 e eles ainda não haviam voltado. Decidimos mandar um pequeno grupo com dez homens para ver o que estava acontecendo. Eu era um desses dez.
Entramos na vila pelo flanco esquerdo porque parecia ser um lado onde não haveria muitos lugares para que um grupo nos emboscasse. A vila parecia deserta.
De repente ouvimos um grito e uma voz forte bem alta falando em alemão. Demos a volta em uma casa e vimos o centro da vila.
Era uma grande área aberta com um poço muito largo no centro. Do lado oposto ao nosso, do outro lado do poço estavam três alemães. Um deles era muito alto e forte e os outros dois eram menores e riam enquanto o outro falava. Eles estavam olhando para algum ponto no chão que nós não conseguíamos ver por causa das paredes do poço. O alemão grandalhão gritou mais alguma coisa e nos ouvimos uma voz que não estava falando em alemão, mas sim em inglês. Ele dizia que não sabia de nada. Era um dos nossos homens reconheceu o soldado Godoy. Mandei então nossos homens se espalharem. Olhamos em volta para ver se tinha mais algum soldado inimigo por ali, mas eles estavam sozinhos. O Grandalhão alemão sacou seu revolver e apontou para aquele ponto no chão onde estava nosso soldado. Naquele momento mandei os homens atacarem.
Começaram os tiros. Um dos alemães foi atingido na cabeça e caiu já sem vida. O outro se jogou no chão procurando abrigo e o alemão grandão se protegeu na mureta do poço e começou a atirar de volta. De onde eu estava vi o homem que estava prestes a morrer tentando rastejar para fora da mira dos alemães. De repente um tiro veio de frente com o homem se arrastando, pegando em cheio sua cabeça. Eu olhei para cima e vi um pequeno brilho vindo de uma janela no alto da torre da igreja. – Atirador!!! – Gritei. E meus homens começaram a se esconder. Do outro lado da rua começaram a aparecer mais alemães. – Alguém derrube aquele maldito atirador!!! – Logo depois dessa ordem, vi dois dos meus homens carregando um lançador de mísseis. O barulho dos tiros ia aumentando quando o míssil foi lançado.
Os estilhaços voaram para todos os lados. Meus homens tentaram avançar mas os alemães se mostraram em numero muito maior. Começamos a recuar. Um dos meus homens foi derrubado com um tiro no peito. Recuamos. Dois alemães foram mortos pelos nossos e segundos depois dois dos nossos voaram em pedaços por uma granada alemã. Recuamos um quarteirão e nos abrigamos para esperar que os alemães viessem. Eles não vieram. Mandei dois homens voltarem com o resto do pelotão. Eles foram e nós ficamos esperando os alemães, mas nada aconteceu. Decidi que deveríamos dar a volta no quarteirão e pegarmos eles pelo flanco. Eu e mais um fomos pelo flanco esquerdo e os outros três foram pelo flanco direito.
Chegamos na esquina do quarteirão a tempo de ver dois alemães segurando um lança míssil apontado na direção dos homens que foram pelo flanco direito. Quando minha arma já estava apontada para o alemão que ia lançar o míssil, era tarde. Ele já havia feito o disparo e o míssil voava na direção dos meus homens.
Matei um dos alemães que tinha matado meus homens e de repente muitos tiros voavam em nossa direção. Ficamos escondidos enquanto eles atiravam e se aproximavam. O soldado que estava comigo caiu sobre mim logo depois que senti sangue espirrando sobre a minha cabeça. Eu me virei rápido e vi um alemão tentando engatilhar sua pistola que havia travado. Joguei-me no chão e atirei matando o desgraçado.
A bala tinha acertado a parte o ombro esquerdo do meu soldado. Entrou pelas costas e saiu pela frente, ele estava vivo mas precisava de cuidados urgente. Decidi recuar e procurar abrigo. Os tiros haviam cessado.
No quarteirão de trás da praça central eu havia visto assim que entramos na vila, um pequeno celeiro que se parecia com uma estribaria. Arrastei o soldado ate lá e nós entramos rápido para que ninguém tivesse tempo de nos ver entrando ali.
Não havia cavalos nesse celeiro, só algumas divisórias que seriam muito úteis no caso dos alemães nos encontrarem e muita palha espalhada pelo celeiro. Nos escondemos atrás de uma dessas divisórias e comecei a fazer os primeiros socorros no soldado que a essa altura estava desmaiado. Quando acabei os curativos levei o maior susto de minha vida. Senti a ponta do cano frio de um rifle encostado na minha cabeça. Levantei as mãos e comecei a rezar.
Eu só conseguia pensar em minha família. Minha esposa, os filhos que queríamos ter, as coisas que queríamos fazer. Lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto.
Lembrei das vezes em que minha mãe deixava que eu ficasse dormindo ate tarde, de como ela fazia aquele arroz que eu adorava e de repente eu me senti vazio. Como se tudo que eu tivesse feito tivesse sido em vão. Porque lutar? Porque matar pessoas que eu não conheço? Se não fosse essa guerra talvez eu pudesse um dia ser amigo desse cara com a arma encostada na minha cabeça! Que merda. Sua vida passa por seus olhos nesse momento.
Eu tinha que reagir. Tinha que deixar de ser a caça e virar o caçador. Mas como? Se eu me mexesse esse maldito alemão iria atirar em mim! Droga! Pensa! Pensa!
Pensei em falar em alemão com ele, mas com certeza a essa altura ele já teria visto a insígnia dos Aliados no braço.
Ouvi passos do lado de fora do celeiro. Uma conversa em alemão. Porque esse maldito não atira logo e acaba com isso de uma vez? O soldado que estava comigo tossiu. Pensei “é agora! Vou atacá-lo!” E quando eu ia me mexer para tirar minha cabeça do cano gelado do rifle, ouvi uma voz.
- Pssiiu. Silêncio. Se você fizer qualquer barulho eles podem entrar aqui.
Eu estava sonhando? Ele estava falando inglês comigo? Quem é esse cara? Será que ele estava mudando de lado? Fiz que sim com a cabeça e ele tirou o rifle da minha nuca.
Abaixei as mãos e ele se abaixou ao meu lado.
- Se eu fosse um alemão você estaria morto há muito tempo.
Ele era magro e usava um uniforme Americano. Tinha o rosto bem definido com uma barba rala saindo do queixo. Seu uniforme estava bastante surrado e rasgado em alguns lugares. E o uniforme tinha mais alguma coisa que eu não conseguia definir. Parecia ser antigo. Era definitivamente diferente do meu. Isso era certo.
- Segundo Sargento Sinclair do 3º Pelotão da companhia Fox. – Disse eu me apresentando.
- Muito prazer sargento. Eu sou o Tenente Paiz do 1º Regimento dos Rangers. Enquanto dizia isso ele olhava para a porta de entrada na qual os alemães tinham passado há poucos minutos.
- Como esta seu soldado sargento?
- O tiro passou direto pelo ombro. Acho que vai ficar bem. Eu não fui informado que os Rangers estavam nessa missão também Senhor?!?!
- E eu nem sabia que existia uma “companhia Fox”?!?!
“Não sabia?” Como não sabia? Será que ele tinha sido atingido e perdido a memória?
- Eles estão em quantos lá fora?
- Muitos Senhor.
- Esse soldado é o que restou do seu pelotão?
- Não Senhor. O resto do pelotão esta do lado de fora da vila. Mandei dois homens chamá-los Senhor.
- Então vamos aguardar seus homens. Eu vou ver se consigo ver alguma coisa lá de cima.
Enquanto ele saia o soldado que estava comigo começava a abrir os olhos. Disse para ficar deitado porque nossos homens estavam a caminho e que um Tenente do Rangers estava conosco. O soldado fez um sinal positivo com a cabeça e fechou os olhos novamente.
Alguns minutos depois o Tenente voltou.
- Eles estão patrulhando. Ainda não desconfiam que estejamos aqui. Vamos aguardar seus homens.
Fiz que sim com a cabeça e fui checar meu armamento.
Duas granadas, dois pentes do meu rifle e minha faca. Olhei para o Tenente e ele estava apenas com uma pistola.
- Se eles entrarem aqui o Senhor tem munição suficiente?
- Mais do que necessário. – Disse ele.
Cerca de meia hora depois ouvimos passos perto do celeiro novamente. Uma conversa em alemão. O Tenente fez sinal que iria mudar de posição para pegá-los por trás caso eles entrassem e eu fiz que sim com a cabeça.
A porta se abriu. Uma silhueta apareceu na porta. Era um homem grande, seguido por um menor. Segurei meu rifle e fiquei esperando.
Os dois homens deram alguns passos e pararam em frente à primeira divisória. Ouvi mais passos chegarem correndo na direção da porta pelo lado de fora e uma outra voz em alemão. Os dois homens que já estavam do lado de dentro saíram e seguiram o terceiro homem que havia chegado.
O tenente veio correndo ate onde eu estava e disse que estava acontecendo alguma coisa na rua. Fomos ate a porta para olhar.
Os alemães estavam todos correndo na direção da praça central e começamos a ouvir disparos. Ouvi uma voz que vinha de dentro do celeiro. Era o soldado ferido que estava se levantando. O Tenente disse que ia ver o que estava acontecendo e que já voltaria. Ele saiu.
O soldado havia se levantado e estava vindo na direção da porta.
- Senhor será que esse celeiro tem uma porta dos fundos? Se tiver talvez nós possamos sair por ela e ir ate onde o resto do pelotão esta.
Começamos a procurar e encontramos a porta. Ela tinha saída para uma outra rua lateral. Disse para esperarmos pelo Tenente.
Quando estávamos voltando para a porta da frente, ouvimos um grande estrondo de uma explosão. As paredes do celeiro começaram a tremer e uma madeira que estava com uma das pontas solta no teto se desprendeu e bateu com força nas costas do soldado. Ele caiu no chão gemendo de dor e desmaiou novamente. A tabua acertou justamente no ferimento na parte de trás do ombro do soldado.
Nesse momento o Tenente entrou pela porta e disse que mais alemães estavam chegando e que estava esperando por um ataque dos aliados para que nós saíssemos dali.
Ficamos escondidos. Um pelotão alemão passou pela rua na frente do celeiro. Tínhamos passado quase a noite inteira naquele celeiro esperando o momento certo para sairmos dali. Sempre que o soldado começava a acordar o Tenente ia dar uma olhada na rua para ver a movimentação. Eu comecei a pensar que ele não gostava de me deixar sozinho e por isso esperava o soldado recobrar a consciência para sair.
O soldado havia desmaiado novamente e o Tenente estava sentado atrás de uma divisória perto da porta quando os dois alemães voltaram.
Dessa vez parecia que eles estavam determinados a vasculhar cada canto daquele celeiro.
Eu vi quando o Tenente puxou sua faca e começou a se levantar bem devagar. Levantei meu rifle na altura do ombro e fiquei esperando.
A um movimento rápido do Tenente eu me levantei e disparei. Meu tiro pegou em cheio o peito do alemão grandalhão enquanto o Tenente estava enfiando sua faca nas costas do outro soldado. De repente o inesperado aconteceu. O alemão que havia levado o tiro no peito começou a se levantar. Ele foi ate o Tenente e o pegou pelo colarinho. Eles começaram brigar. O Tenente olhou pra mim e disse para que eu corresse com o soldado ferido. Eu fiquei paralisado. Como ele estava vivo? Eu o acertei no meio do peito!
O Alemão virou o Tenente de costas para mim para que ele pudesse me ver. E eu pude ler em seus olhos - “Você é o próximo!”. O Tenente chutava o alemão mas parecia que ele não sentia nada, tamanho era seu ódio. De repente meus olhos se desviaram dos olhos do alemão e pararam nas costas do Tenente. Não podia acreditar naquilo que estava vendo. Pisquei os olhos e olhei novamente. Havia um buraco em suas costas pelo qual entraria tranqüilamente a mão de um homem! Ele estava ferido esse tempo todo e não havia dito nada. O Tenente gritou novamente: - Corra!!! É uma ordem!!
Eu peguei meu soldado ferido e sai correndo pela porta lateral do celeiro. O dia já estava amanhecendo e uma neblina forte cobria toda cidade. Corri o máximo que eu pude com o soldado ferido nas minhas costas. Sempre dando olhadas rápidas para trás, corri ate não enxergar mais a vila . Eu não conseguia ver nada. Tudo era neblina.
De repente ouvi armas engatilhando. - “É o meu fim” – pensei. Ouvi uma voz gritar: - “Flash!” – Num primeiro momento não entendi, mas quando a voz repetiu aquela palavra entendi. Era um código para identificar nossos aliados. – “Thunder!” – respondi.
Era meu pelotão.
Durante aquela manhã ficamos acampados esperando que a neblina passasse. Os homens me disseram que pouco tempo depois de nós entrarmos na vila a neblina apareceu. Eles ouviram tiros durante toda à noite, mas não conseguiam achar a vila por causa da neblina. Do total de doze homens que foram até a vila, apenas eu e o soldado ferido conseguimos voltar. Falei sobre o Tenente que havia encontrado, mas ninguém sabia nada sobre Rangers naquela região e o único que poderia ser minha testemunha não tinha visto esse Tenente Paiz em nenhuma das vezes em que estava acordado.
Por volta das 13h00 a neblina se dissipou e para o espanto de todos só havia escombros do que um dia havia sido uma vila. Nada. Passamos por ela e não encontramos nem sinal de alemães, aliados ou de corpos. Nem uma casa em pé. Só o poço restava no centro da vila.
Depois de concluída nossa missão, perguntei para meus superiores a respeito do Tenente Paiz dos Rangers e eles também disseram não saber nada a respeito disso. – “Talvez ele tenha se perdido” – disse um de meus superiores.
Quando a guerra terminou e eu voltei para casa continuei intrigado com a aquela história. Procurei por um jornalista que cobria as matérias sobre a guerra e que também havia estado na Normandia naquele mesmo período. Ele disse que iria pesquisar a respeito.
Alguns meses depois ele voltou dizendo que a vila da qual eu não sabia o nome, havia existido há muito tempo atrás e que durante a segunda guerra ela já não existia. Ela havia sido destruída durante a primeira guerra mundial em um confronto entre um regimento alemão e um regimento dos Rangers.
Sobre o Tenente, ele disse que o corpo do Tenente Paiz nunca foi encontrado e que ele foi dado como morto em combate naquela vila durante o confronto que destruiu a cidade.