Nada é eterno, e o presente é um pesadelo, ele era apenas um Imortal em busca de casa

Nada é eterno, e o perene é um pesadelo, ele era apenas um imortal em busca de casa

Não morrer é uma mera questão de hábito, costumava ele sublinhar a si próprio, cada vez que mais um amigo o deixava, cada vez que era obrigado a repensar a sua condição única, cada vez que se indagava, e como estava farto de ser assaltado por estes e outros pensamentos; arranjara a frase-chavão, para evitar pensar e, consequentemente sentir, embora fosse quase impossível não pensar, quando se chegava à conclusão que o local mais visitado por si eram os inúmeros cemitérios onde repousavam demasiados amigos, onde repousavam tantos e tão bons momentos que partilhara nos incontáveis caminhos de que era feita a sua enorme vida. Lembrava-se que alguns desses amigos quando sabiam da sua condição única suspirarem por coisas a que ele teria acesso por não morrer, como ler todos os livros do mundo, ouvir todas as músicas já inventadas pelo génio humano, e se deixarem levar pela multiade de sensações que elas originariam. Ele ouvira esses comentários e sorrira amargamente, pois já passara por isso tudo, já passara pela parte do fascínio e, apesar de se continuar a maravilhar, estava positivamente farto...

Custava-lhe perder amigos, mas custava ainda mais perder amores, como lhe custara. Saber que cada novo amor nunca seria o definitivo, saber que ela iria morrer mais e mais uma vez nos seus braços, olhando-o bem nos eus olhos negros profundos, enquanto se interrogava por que ele continuava impoluto à romagem do tempo, enquanto ela e encarquilhara até que o corpo não a aguentava mais e expulsara-a de si, custava-lhe passar por isso, odiava-o, e podia optar por não se ligar mais a nenhuma companheira, podia, para não a fazer sofrer, e para ele não sofrer, mas descobrirá á demasiado tempo que era incapaz de viver sem o amor, mesmo se este se revestia das roupagens do vão, mesmo se este estava destinado a desvanecer perante si.

Ele não sabia morrer, tão simples como isso; já vira mortes de todo o tipo, inclusivamente as provocadas pelas próprias vítimas e...Claro que sentia uma vontade pelo ocaso, sentia a necessidade dum fim, mas faltava-lhe aquele momento decisivo de terminar tudo, talvez porque o seu instinto inconsciente de sobrevivência fosse maior do que a sua vontade racional dum terminus absoluto, talvez...talvez fosse o elixir da sua maldita juventude. E enquanto esse ocaso não chegava, enquanto esperava que o pôr-do-sol visto a cada dia fosse o derradeiro, depois de ter experienciado tudo quanto um ser humano pudesse vivenciar (e tal durara tanto tempo que ele perdera a conta aos anos, aos séculos aos milénios? De tal forma que julgava durar desde sempre) ele decidira voltar a casa, mas havia um pequeno problema...: devido á sua idade, e à medida que os anos se acumulavam à sua volta, as memórias do passado iam sendo cada mais difusas e, embora nunca desaparecessem de todo, o que tinha delas eram fotografias na alma e o saber adquirido que essas vivências lhe proporcionavam; provavelmente por isso ele era o ser mais sábio do planeta(e quem sabe?) do universo, mas um sábio cego que do local de onde vira tinha apenas uma desfocada memória. Sabia ser um vale, um belo vale atravessado por um rio de igual beleza, um vale cheio de enormes árvores, e era tudo; mas um vale que já não o poderia ser, se ele era tão velho como julgava, árvores que teriam morrido, e um rio que certamente secara, deixando no seu lugar um leito já coberto por vegetação e outras árvores, ou então por uma enorme e labiríntica cidade, onde os pontos de referência seriam os edifícios e não a paisagem. E no entanto ele acreditava, ele percorria sem cessar a Terra, à espera que o olhar deparasse com qualquer elemento esquecido do racional, mas submerso algures dentro de si, algures à espera de ser reconhecido. Estava convencido que mal encontrasse esse local, o corpo por fim cederia, por fim faria a vontade ao seu pensar, e assim estava dado o tom à sua estranha saga. E como ele o desejava! Como ele ansiava por parar num local definitivamente, ansiava por sentir o seu corpo a envelhecer, por saber que os dias passados seriam os últimos. E por isso ele não parava, não parava de conhecer novas pessoas, novos povos, novas civilizações, não parava de assistir ao seu ocaso e ao renascimento de outras no seu lugar, não parava de sofrer pela morte dos novos amigos, dos novos amores, não parava, apesar de o desejar tão desesperadamente

Nada é eterno, e o perene é um pesadelo, ele era apenas um imortal em busca de casa

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