Feliz?

Em uma manhã de sexta-feira, Gilberto, um senhor de oitenta e um anos, fazia sua caminhada matinal, quando passava em frente a um grupo de lojas. Eram lojas de gêneros variados. Havia uma loja de roupas, uma de calçados, um restaurante, uma sorveteria, duas locadoras de filmes, e muitas outras. Gilberto ficava revoltado por não haver uma livraria já que era apaixonado por literatura, mas isso era relevante, ele já tinha a sua livraria de confiança a umas cinco quadras dali, se abrisse uma livraria no meio daquelas lojas, ele com certeza não seria um cliente.

A maioria das lojas estava fechada, afinal o comercio só abria as nove e ainda eram sete e meia da manhã. Mas logo em frente, na próxima quadra havia uma loja aberta. Na realidade não era uma loja era um laboratório para exames médicos, o que não deixava de ser uma loja, onde se vendiam exames médicos. Ali eram feitos exames e mais exames todos o dias, e principalmente no período da manhã. Eram tubos e mais tubos de sangue que entravam e saíam diariamente, potinhos e mais potinhos com urina e outros com fezes, mulheres e mais mulheres que tinham suas vaginas estimuladas por pintos vermelhos, mas isso não era exame nenhum, apenas um contratempo dos médicos.

Era um laboratório médico normal que fazia inúmeros tipos de exames, não é necessário citar todos.

Naquele dia o laboratório parecia estar cheio, havia varias pessoas do lado de fora. Gilberto continuava caminhando em linha reta e pensando em sua “coleção” de bicos de papagaio.

Gilberto atravessou a rua que cortava o seu caminho. Ele passou pela faixa de pedestre com um largo sorriso no rosto. Afinal de contas ele sempre se sentia um Beatle quando passava em uma faixa de pedestre.

Ele estava passando enfrente ao laboratório e ainda estava sorrindo com a imagem de John Lennon na cabeça, quando uma jovem de uns dezenove anos saiu do laboratório, e o que havia no seu rosto eram lágrimas.Gilberto e a tal garota começaram a caminhar paralelamente. Ele estava um pouco que curioso sobre ela, mas ela parecia não enxerga-lo ali do lado. Ambos dividiam a mesma calçada suja, encardida e em alguns pontos quebrada e depredada. Havia até alguns cantos com preservativos usados. Gilberto se lembrava que semana passada quase pisara em um preservativo que tinha as cores da bandeira brasileira, verde na base, amarelo no meio e azul na ponta.

Bom, testar a memória de Gilberto usando o “preservativo brasileirinho” como referência, não tinha muita importância agora. O que importava é que ao lado de Gilberto havia uma garota chorando.

Gilberto percebeu que a garota estava com vários papéis na mão esquerda e um celular na mão direita. A garota discou um número no celular e levou-o próximo ao ouvido. Logo que a pessoa do outro lado da linha atendeu, a garota disse.

— Você que saber o resultado do exame?

Gilberto que era uma pessoa egoísta e um pouco egocêntrico às vezes, pensou, “Gilberto vá embora, o que essa garota tem pra dizer não é da sua conta! Tampe os ouvidos, suma daqui, faça alguma coisa, mas não se intrometa na vida alheia!” o seu eu interior foi embora e Gilberto o obedeceu. Disparou a andar, sem se preocupar com o que a garota dizia no celular, afinal de contas, não era da conta dele.

Após ele ter caminhado depressa um bom tempo, voltou ao ritmo normal, e a garota já estava a uns dez metros para trás dele. O seu eu interior voltou novamente “ Aai, ai, ai... será que aquela garota está doente... eu devia ter escutado o que ela tinha pra falar... Não!Não! Não! Eu não sou um bisbilhoteiro”. Mas que eu interior mais sacana, não sabe nem se decidir. A curiosidade de Gilberto era imensa, ele desejava que a garota estivesse bem, mas...

Por fim Gilberto olhou para trás, e ficou pasmo ao ver a expressão da garota. Ela era linda, e ficava mais linda ainda com o sorriso que florescia em seu rosto. Seus lábios grandes e corados faziam do seu sorriso único. Para Gilberto isso fora o suficiente.

Gilberto foi embora feliz e aliviado. Sabia que era improvável voltar a encontrar aquela garota, e nem mesmo tinha certeza se ela estava saudável, doente, grávida... Em fim, o que fez Gilberto ficar feliz foi que a garota também estava feliz. Se ela estivesse saudável, o sorriso dela expressava alegria e alívio. Se ela estivesse doente, o sorriso expressava que ela tinha forças para lutar. E se ela estivesse grávida... , bom, se ela estivesse grávida, o sorriso expressava tarefa cumprida ou estou pronta para cumprir essa tarefa. Mas o que Gilberto nunca irá saber, é que a garota não estava saudável, nem doente e nem grávida. Pois aquele resultado de exame determinava que o tumor na cabeça do seu padastro, era tudo uma invenção, e aquele sorriso expressou o alívio ao saber que finalmente ela se livraria de um homem que a odiava e a estuprava quando criança, e agora que precisava de alguém para sustentá-lo tentava ter uma boa relação com ela.

Samuel Farias
Enviado por Samuel Farias em 19/10/2008
Código do texto: T1236267
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