Helena e a Igreja. ok
Helena e a igreja
Eu olhava fixamente os vitrais nas portas de entrada da igreja. As imagens sacras, os anjinhos com as carinhas redondas me fascinavam, as cores se misturavam como um grande arco Iris frutacor, havia tantos detalhes, minúcias esquecidas, despercebidas ou não miradas pela maioria das pessoas. Os passantes não me viam ali parada, talvez pensassem mais uma louca na porta de uma igreja. A pressa, a busca pela rapidez que atormenta a maioria das pessoas, não os deixa notar minha olheiras, os olhos pisados, cansados, envelhecidos, o corpo magro, extenuado de tantas batalhas internas pela busca do teu amor. Tantos anos de insanidades, brigas, transtornos, estragos e uma vida profissional perdida pelo teu desgraçado amor. Fiquei te olhando e esqueci a vida passando e destroçando tudo ao redor.
Miro os vitrais azuis, verdes, amarelos e vermelhos e tua voz me vêm: - Vou embora! Fujo, corro desatinada para não te ouvir, mas ainda assim, te escuto como um som estridente que sai desesperado da loucura da minha mente. Eu sei que nada te segura ao meu lado. Foste embora faz tempo. Agora vais levar tuas roupas, teus beijos, teu corpo, tuas fotos, teus livros, teus CDs e levarás contigo também, o inventario das minhas dores eternas. Olho os vitrais. Entro ou não na igreja? As pessoas me apreciam, finalmente. Agarrei- me às tuas pernas, gritei, berrei. Dizias-me, olha os vizinhos. Não vai dar escândalo. Fala baixo! Vamos resolver tudo. Mentira. Só mais uma mentira. Nada seria resolvido. Que me importa os vizinhos. Tu vais para uma vida nova. E eu na minha interminável solidão. Vou entrar na Igreja Rezar um pouco, porém, não sei pra quem, eu rezo.
Que noite cansativa. Helena me atormentou bastante. Tenho pena dela, mas, não dá mais, nem sei o que sinto, sexo não existe mais entre nós. Ela está sempre tão cansada pra tudo. Ou doente, são várias doenças imaginárias para chamar minha atenção. Depois tem a Luciana com suas pernas morenas e aquele sorriso cheio de dentes, viver com ela é mais fácil. Um corpo rijo e quente. O sexo é maravilhoso. E a Helena. O que ela vai fazer da vida dela? Bebidas, calmantes e muitas visitas aos médicos. Mais escândalos, sei lá, ela que se vire. Duvido que ela não soubesse de nada. As noites eram tão cansativas entre nós, sem brilho ou paixão tudo se tornará uma obrigação. Enfim, tudo se perderá em algum lugar do passado. Eu vivia na rua, dando desculpas, reunião ali, um trabalho lá. Às vezes, inventava viagens até nos fins de semana, dava um jeito dela nunca ir. Depois de incansáveis brigas e alguns presentes, ela sempre aceitava ficar em casa. Opa! É a Helena na frente daquela igreja. O que ela esta fazendo lá?
É o Téo, lá outro lado da rua me olhando. Cínico, mira-me com um ar de pena infinita. Ai, que raiva! Vem chegando, a raiva vai diminuindo conforme teu cheiro me alcança. Como odeio te amar assim, deste jeito infame e sem limites de decência. Há quanto tempo, não beijo tua boca. Sinto teu cheiro de macho. Não sonha, louca. Ele não te quer mais. As noites são solitárias, ele arruma todas as desculpas possíveis para não se deitar contigo. Aquela vaca morena de peitos grandes o levou de ti. Aquela mulher o enfeitiçou como nenhuma outra havia feito.
Como ela é bonita! Se não brigasse tanto comigo. Aqueles olhos tão verdes que sempre me enfeitiçaram. Porém, um dia, ela me abandonou para se voltar pra dentro de si e esquecer-se do mundo lá fora. Helena. Helena cadê suas risadas que gargalhavam madrugada adentro e me faziam tão feliz, Por que foste embora pra um lugar só teu? Deixastes-me somente as brigas, o mau humor, o descaso e as dores indizíveis do isolamento de um macho ferido. Está me olhando. Vou ao encontro dela. Quem sabe ainda há uma chance do teu sorriso voltar pra mim.
A igreja parece imponente e fria diante deles. Helena sorri com as covinhas bailando no rosto cansado, o sorriso a rejuvenesce dando-lhe um ar de criança perdida, os olhos verdes brilham. Sim, ainda há uma esperança. Téo vai chegando com os olhos escuros fixos naquele rosto tão belo, entretanto, perdido entre tantos infernos que os dois enfrentam diariamente para manter um casamento de vinte anos. Quem sabe. Ele pensa. Olham-se e saem de mãos dadas, por hoje ficaram juntos. As palavras nunca foram importantes para eles. Amanhã. Amanhã é outro dia. E igreja e os seus vitrais multicoloridos seguem.
16/10/2008