Um filho com a estrela cadente
Marcela caminhava só pelas margens da praia, era cedo da noite e ela havia deixado a pousada para caminhar, gostava de fazer isso, ajudava a exorcizar os fantasmas de sua mente. A lua se escondia por detrás de uma gigantesca nuvem e parecia lhe transferir sua bela luminosidade; o som das ondas quebrando ajudavam-na ainda mais a relaxar; sua vida não estava saindo como o planejado, por esse motivo procurou abrigo alguns dias longe da cidade, no princípio ficou em dúvida se era melhor passar dias numa praia ou nas belíssimas pousadas nas montanhas, porém acabou optando pelo mar; sim, pois “o mar sempre acalma a alma”; ao menos era isso que seu avô costumava falar, ele havia sido pescador durante toda a vida e amava seu ofício, foi realmente uma pena nenhum dos filhos ou netos nunca querer aprender as técnicas para dar continuidade a tradição da família.
Ela, embora não tenha aprendido o digno ofício do avô, mesmo porque essa era uma tradição passada apenas pelos homens, aprendeu com ele o amor pelo mar e foi isso o que pesou na decisão de se isolar por uma semana. Acabara de passar por uma crise violenta em seu último relacionamento e por um rompimento não menos doloroso, tudo o que ela queria era se casar, achar alguém que valesse a pena; já possuía a tão falada estabilidade profissional, era jovem, e considerada por todos que conhecia como muito bonita, na verdade ela mesma sabia de seu potencial de sedução e conhecia muito bem sua atração pessoal, mas nunca conseguira verdadeiramente um homem que enxergasse além de seus longos e belos cabelos castanhos e seus olhos negros como a própria noite. Todos os homens com quem iniciou um relacionamento, na verdade apenas a queriam como uma espécie de troféu, não gostavam dela e sim do corpo dela. Marcela sentia-se tão mal que já não sabia mais como agir para quebra aquela rotina destrutiva.
As águas vinham do oceano e banhavam seus pés descalços que deixavam pegadas na areia, as espumas do mar transmitiam uma sensação boa e por alguns minutos ela vivia apenas aquele momento. Deixara o quarto na pousada porque sentia como se as paredes a estivessem sufocando, mas ali sentindo a brisa agradável nos cabelos e contemplando o balé sinuoso das ondas, aquela sensação incomoda já tinha desaparecido.
Uma ave negra passou ao longe e Marcela quase pôde ver que as penas do animal rebrilhavam à luz do luar, por um curto espaço de tempo aquele vulto negro tornou-se prateado quando contemplado pela luz da lua grande e cheia, enquanto descrevia mergulhos circulares em pleno ar na direção do mar.
“Que bela cena” _ pensou.
Momentaneamente ergueu os olhos e viu a noite mais adornada por estrelas que jamais tinha visto na vida, era algo indescritível de tão impar. De repente uma daquelas estrelas pareceu se desprender da abóbada celeste e cortou o céu deixando um rastro luminoso após si e sumindo segundos depois. Uma estrela cadente.
“Eu quero alguém que me dê um filho!” _ gritou para a estrela num impulso infantil, se arrependeu logo em seguida e sussurrou:
_ Alguém diferente, alguém capaz de olhar para dentro de mim e saber o que eu quero.
Se arrependeu novamente, estava se passando por tola, sussurrando palavras para as estrelas e para a noite, porém era um jeito de desabafar mais um pouco, até já estava se sentindo melhor. Mas, ela também descobriria que palavras ditas não podem ser recobradas e que sempre há alguém ouvindo.
Continuou caminhando, hora olhava o mar, hora o céu estrelado; mais à frente ela percebeu que seus ouvidos escutavam uma canção, as notas vinham no ar como um leve perfume e seduziam suavemente; Marcela continuou andando, poderia ser que algum dos hóspedes de uma outra pousada estivesse ouvindo música, e no silêncio da noite o som seria facilmente carregado para longe; a melodia começava a se impor sobre as ondas do mar e na medida que ela se afastava de sua pousada a música se tornava mais e mais audível.
Ao longe estavam algumas árvores e sentado embaixo havia um homem, a princípio ela ficou receosa de passar por perto, mas logo viu que ele trazia nas mãos um instrumento musical. Aproximou-se e maravilhada com a habilidade dele contemplou-o enquanto este tocava aquela bela melodia, triste, mas bela.
Ele ao ver que era observado, logo parou; era um homem alto, possuía uma tatuagem no braço direito, obviamente tratava-se de uma palavra escrita em uma língua que ela desconhecia.
_Não pare de tocar_ ela disse meio sem graça ao se encostar na árvore.
Logo percebeu que o instrumento que o homem segurava era uma harpa, e muito bonita, possuía detalhes entalhados e finas cordas que também pareciam reluzir ao serem dedilhadas.
_ O que significa essa tatuagem?_ perguntou. Queria perguntar sobre a harpa, mas se pegou dizendo outra coisa.
O jovem parou por um momento, respirou, olhou profundamente para ela e respondeu.
_O nome Nephilim, em Hebraico, e significa “Aqueles que caíram do céu”. _ um sorriso amigável brotou na face do jovem.
Marcela sorriu ainda meio constrangida e perguntou num tom de brincadeira:
_Você caiu do céu?_ Ela estava vulnerável, durante muito tempo de sua vida coisas como afeto e carinho lhe foram negadas de forma egoísta e a falta de um relacionamento maduro e duradouro a tinha deixado num nível de quase desespero emocional.
O rapaz sorriu afetuosamente, sempre olhando fixamente nos olhos dela e respondeu também num tom de brincadeira, como que para igualar ao da pergunta:
_ Mas isso já faz muito tempo.
Ambos sorriram.
Ele voltou a dedilhar a harpa e produzir aquele som maravilhoso; Marcela se sentou ao lado dele e ambos ficaram em silencio enquanto a música era executada. A lua mudara de posição, caminhara pelo céu e agora estava mais próxima do horizonte, as ondas ainda estavam lá, batendo contra algumas rochas ao longe e pareciam cooperar com a sinfonia produzida pela harpa do homem.
Por vezes ele parava de tocar e ela o interpelava sobre vários assuntos; eles conversaram a ponto de perder a noção do tempo, a noite começou a se tornar madrugada, Marcela adorou conhecer aquele homem e ele parecia conhecê-la muito bem, logo perceberam que possuíam uma afinidade sobre muitas coisas. Por fim acabaram se envolvendo; somente a praia, o céu e as estrelas testemunharam. Depois ele disse:
_Amanhã vou lhe dar um presente.
Ela sorriu e deitada na areia adormeceu com ele a seu lado.
Infelizmente a pobre Marcela não sabia, mas na manhã seguinte aquele jovem galante teria desaparecido, ela nunca mais o veria, porém semanas depois perceberia que estava grávida e em menos de um ano receberia “o presente”. Um filho menino que nasceria com características singulares e muitos; muitos dons especiais.