Meu querido diário
(01/10/08)
18 de março
Comprei um pernil enorme para comemorar o meu aniversário. Vou prepará-lo conforme uma receita por mim criada e comê-lo inteirinho, afinal de contas, eu mereço.
23 de março
Hoje estava na cozinha preparando um sanduíche de pernil com maionese e cebola, quando tive a nítida sensação de estar sendo observado. Olhei em volta e não vi nada diferente na casa, exceto o meu cachorro esperando que alguma migalha de pernil caisse do prato.
Vou para a cama encafifado e com um naco de pernil no dente entalado.
Amanhã vou ter que comprar fio dental.
24 de março
Aconteceu de novo! Tenho certeza que alguém me espiona quando entro na cozinha.
Desta vez nem o cachorro estava por perto. Acho que algum vizinho deve estar me olhando de binóculo ou instalou uma câmera escondida. Sei disso porque assisti àquele filme “Invasão de privacidade” e sei do que as pessoas são capazes.
Amanhã chamo alguém para dar uma olhada.
Fiz um outro sanduíche de pernil e dei um pedação de pernil pro cachorro.
26 de março
Hoje veio um técnico que olhou a casa toda e disse não ter encontrado nada. Pelo sorriso dele, acho que está envolvido em alguma conspiração da qual sou alvo.
Por via das dúvidas vou olhar eu mesmo amanhã.
Faz dias que eu só como sanduíche de pernil, mas que se dane! Tá gostoso.
Estranhamente o cachorro recusou o pernil.
27 de março
Vou ter que adiar a minha investigação por um dia ou dois.
Há algo de podre no reino da Dinamarca: Eu e o maldito pernil!!!
Cachorro esperto...
28 de março
Desmontei todos os lustres e interruptores da casa. Não encontrei nada de anormal.
Lembrete para uma próxima aventura no reino de Edson: desligar a energia antes de sair puxando fios elétricos: choques e curtos-circuitos não são agradáveis.
Por via das dúvidas pintei os vidros da casa de preto.
Amanhã vou ter que comprar um microondas novo.
1º de abril
Tava instalando o microondas e tive a sensação de estar sendo observado de novo. Quando olhei em volta: POFF!!!
Lá estava!!!
Um vulto!!!
Eu vi!
Tenho certeza que vi!
Gritei durante uns três minutos. Não sei se de medo ou se de dor. O “POFF” foi o microondas caindo no meu dedão.
O vizinho de baixo reclamou. O porteiro interfonou. Com medo de passar por maluco aleguei problemas domésticos. O porteiro deu uma risadinha e pediu pra maneirar o volume da suruba.
Onde eles conseguem estes porteiros? Numa escola de comediantes, com certeza.
Suruba... quem me dera.
Maldito porteiro...
7 de abril
Hoje eu vi!
Nitidamente!
Um homenzinho com não mais do que trinta centímetros de altura, todo vestido de verde, com gorrinho e tudo.
Estava na cadeira da mesa da cozinha, discretamente me observando. Quando eu olhei para ele ele pulou da cadeira e correu pra debaixo do armário.
Pensei em correr atrás para ver onde ele se escondeu, mas o pavor foi maior e acabei correndo mesmo na direção contrária. Tropecei no cachorro.
Amanhã vou ter que comprar uma TV nova. Aproveito e compro aquela LCD que eu tô namorando faz tempo.
Lá se vai o dinheiro da poupança.
Maldito cachorro...
O vizinho reclamou de novo.
9 de abril
Hoje eu vi o homenzinho de novo. Foi apenas por um momento, mas pude vê-lo perfeitamente. Um homenzinho em miniatura. Bonitinho. Vestindo uma roupinha de duende.
Mas não quero chamá-lo de duende. Prefiro chamá-lo de amiguinho verde. Amiguinho porque ele me pareceu amistoso.
Amanhã vou tentar fazer amizade. Vou fazer e oferecer para ele a minha outra especialidade culinária, além do sanduíche de pernil: bolo de fubá.
16 de abril
O meu amiguinho verde não apareceu mais.
Fiz o bolo de fubá e me preparei para recebê-lo, mas ele não deu as caras.
Faz uma semana que eu só como bolo de fubá: a receita que eu tenho é meio exagerada. Tô até amarelo de tanto fubá.
Nunca mais quero ver bolo de fubá na vida!!!
Maldita receita...
17 de abril
Meu amiguinho verde apareceu de novo. Estava mais amistoso e sem medo. Até acenou para mim de longe.
Parece até que o desgraçado esperou o bolo de fubá acabar pra dar as caras. Pensei em oferecer o pernil, mas achei melhor não.
Acenei de volta. Ele me pareceu ir embora satisfeito. Fiquei satisfeito também.
19 de abril
Meu amiguinho verde apareceu de novo. Falei “oi” pra ele e ele me respondeu com um simpático “olá”.
Estabelecemos um rápido diálogo e ele me informou que reside em uma dimensão paralela e reduzida do nosso mundo, cujo portal fica dentro da gaveta de talheres do meu armário de cozinha.
Achei interessante, mas não entendi o porquê do tal portal ser na gaveta de talheres. A de panos de prato é tão mais fofinha. Bom, sei lá! Coisas de duende. Ou melhor, de amiguinhos verdes.
Convidei-o para assistir TV comigo amanhã.
Amanhã vou comprar pipoca de microondas.
Depois disso a gaveta de talheres deu pra emperrar.
Maldita gaveta...
20 de abril
O meu amiguinho verde apareceu no horário combinado. Ofereci pipoca. Ele comeu quase três pacotes. Eita carinha esganado!
Assistimos Peter Pan. Ele ficou indignado por ser o modelito do Peter uma cópia fuleira da roupa que ele usa. Também ficou cheio de graça com a Sininho. Esganado e tarado!!!
Perguntei se havia mais amiguinhos de onde ele vem. Ele disse que sim e que amanhã me apresentaria aos seus amigos. Mesma hora, mesmo local.
Mal posso esperar!!!
Amanhã vou fazer compras pra poder oferecer um lanchinho. Tô “durango” por causa da LCD, mas jogo no cartão.
Maldito capitalismo...
21 de abril
Eles vieram. Cerca de dezesseis amiguinhos. Todos tem exatamente a mesma cara. A única forma de diferenciá-los é pela cor da roupa. Cada uma de uma cor.
Vou ter que chamá-los de amiguinhos coloridos. Pode pegar mal, mas não quero nem saber. Eles nunca assistiram TV mesmo.
Pediram pra por o filme do Peter Pan de novo.
No começo se comportaram, mas depois de dez minutos de Sininho o negócio virou zona. Tentei impor respeito, mas eles ficaram me sacaneando. Entrei no clima.
Foi engraçado, mas o vizinho reclamou de novo.
28 de abril
Faz uma semana que estes maluquinhos aparecem sempre no mesmo horário por aqui.
A única coisa ruim é que eles comem pra caramba. Tentei empurrar o pernil, mas sem chance.
Propus fazer um bolo de fubá e eles riram da minha cara. Eu também não comeria.
A algazarra continua. Hoje brincaram de jóquei de cachorro.
A casa tá um nojo.
O vizinho reclama todo dia.
9 de maio (aproximadamente)
Estes desgraçados não se dão nem mais ao trabalho de ir embora. Ficam dia e noite por aqui. E o pior é que eles quase não dormem.
Tô acabado, mas hoje, finalmente eles me deram uma trégua: vão ir a uma despedida de solteiro do amiguinho cor de rosa... Sei...
Amanhã, se eles voltarem, vou propor a gente rachar a despesa do Apê. Afinal eu já tô pra lá de quebrado e isso aqui tá precisando de uma faxina urgente.
10 de maio (segundo meu mapa astral)
Eles voltaram. Propus um “meio-a-meio” na despesa e rolou o maior “box”. Quebramos o maior pau e eu joguei na cara deles que eles eram um bando de aproveitadores e folgados.
Eles não tão mais falando comigo.
O cachorro se enfiou no banheiro e não sai de lá pra nada, nem pra comer.
O vizinho ameaçou chamar a polícia.
Maldito vizinho...
15 de maio ou 4 de julho, sei lá
A situação fugiu um pouco ao controle:
Pus todo mundo pra fora. Lacrei a gaveta de talheres com fita crepe. Sai pra comprar material de limpeza pra casa e contratar um psicólogo pro cachorro.
Não é que os desgraçados voltaram durante a minha ausência e não me deixaram entrar em casa?
Esmurrei a porta aos berros durante vinte minutos.
O vizinho apareceu e começou a me agredir. Apliquei-lhe um cristel com a mangueira de incêndio.
Fui parar na delegacia. Tentei explicar pro delegado a história dos meus amiguinhos coloridos e ele me olhou meio esquisito.
Acho que ele também está envolvido na conspiração. Se ao menos eu tivesse o meu pernil aqui eu o mataria envenenado
Maldito delegado...
Diário de bordo - Data Estelar 83269.33
Acabei internado em um manicômio judiciário, acusado de atentado violento ao pudor e sodomia.
No julgamento convoquei como testemunhas de defesa os meus amiguinhos coloridos e o cachorro, mas eles nem se deram ao trabalho de aparecer.
Depois de dois meses aqui internado, o meu amiguinho verde apareceu pra uma visita.
Agora toda a quarta-feira, no horário de visitas ele aparece por aqui e me trás notícias lá de casa, do seu mundo, da gaveta, dos outros amiguinhos coloridos, do cachorro e do pernil.
E como aqui eu não tenho nenhuma refeição decente, em toda visita ele me brinda com guloseimas. O único senão é que o filho da puta cismou que eu gosto de bolo de fubá e só me trás essa porra pra comer. Eu não aguento mais tanto fubá.
Já reclamei com ele, com a direção, com o diabo... mas ninguém me dá ouvidos...
Maldito duende!!!