PESADELO

À luz do dia chegou diante da casa.

De novo viu a praça, a rua estreita e pouco movimentada.

Estacou na calçada fronteira, ao seu lado Alice esperava. A maquiagem barata dissimulava o cansaço de mil noites mal dormidas.

Uma eternidade depois arriscou perscrutando dentro de seus olhos:

- Vamos?

Não havia paredes descascadas, grades pesadas e negras janelas iguais àquelas. Paralisada diante da casa soturna tremeu da cabeça aos pés e as lembranças da noite de pesadelo a possuíram. Os sussurros obscenos, os seus próprios gritos. Apertou as têmporas latejantes inutilmente.

Como se adivinhasse Alice pegou o seu braço, apertou-o com força, obrigou-a a voltar à terra:

- Fiz o que querias. Mas não vejo razão, acho loucura. É melhor irmos embora. Quem vai acreditar?

Do outro lado, parado diante da casa o vigia em seu uniforme desbotado continuava a fuzilar as duas mulheres com olhar rancoroso e cheio de sono.

Corina sentiu frio penetrante nas entranhas, a coragem que a movera até ali desapareceu. Desejou estar em seu quarto, a porta trancada para ninguém ver as lágrimas jorrarem incontroláveis, que agora ameaçavam saltar ali mesmo naquela rua sombria em plena luz do sol de meio-dia.

Viu as gotas de suor ameaçarem escorrer o pó do rosto de Alice.

- O que vai adiantar? Estou com fome, vamos embora – a voz saiu da boca mascarada, passou raspando sem atingi-la.

Continuou hipnotizada, pregada ao solo, a cena da noite mais viva do que nunca a destruí-la por dentro, o olhar preso na negra janela, o terror voltando aos borbotões.

A vista escureceu, de novo era noite. Gritava e ninguém respondia.

Debatia-se, de novo as mãos grosseiras e ela tão nua. Mergulhou no túnel sem volta e deslizou em queda vertiginosa. As pernas dobraram lentamente.

As pancadas na janela a fizeram abrir-se de par em par. Emoldurou o rosto pálido de uma mulher, a aparição tangeu o pesadelo.

Voltou à realidade, o sol brilhava e Alice com seu rosto borrado impaciente.

Ah, precisava fugir depressa, da casa de paredes descascadas, da praça deserta, do monstro de voz aterrorizante.

- Vamos embora, Alice.

Assustou-se com a própria voz, apressou os passos e a amiga teve dificuldade para acompanhá-la.

Olinda, 7/9/2008