O CORCUNDINHA

O CORCUNDINHA

-Walter Benjamin

(...) "Mas a mim me metia medo. O corcundinha era da mesma espécie. Contudo não se aproximou de mim. Só hoje sei como se chamava. Minha mãe me revelou o nome sem que soubesse.(...) Encolhia-se era como se crescesse nele uma corcova que, por muito tempo, as deixava incorporadas ao mundo do homenzinho. (...)

Obras Escolhidas _ Infância em Berlim ( final do século XIX ).

O CORCUNDINHA II

Ana Marly de Oliveira Jacobino

Lá vem o corcundinha exalando do seu corpo esquálido, o odor putrefato dos restos de comida, urina e fezes em decomposição, esquivando pelos sinaleiros, com a mão estendida a esmolar uns trocados, dizendo:

_ Obrigado doutor!

Enfeando ainda mais, o seu rosto sujo, com, aquele sorriso repleto de pontinhos negros, as sobras, do que foi um dia uma alva dentição.

O doutor assustado, ao ver o molambo falante, fecha a janela do seu carro importado prendendo a mão do corcundinha. O menino soltava gritos aterrorizantes, enquanto, era arrastado pelo asfalto. Se debatia muito, até conseguir libertar da macabra prisão. Ficou o corcundinha estendido, colado, junto à sarjeta. Uma onda impulsiva de contorções dolorosas tomava conta do seu corpo e de sua alma.

O corcundinha não compreendia; o que havia feito para ser tratado assim, pois, pouco saia do buraco, onde vivia com outros corcundinhas, duendes e salamandras semelhantes a ele.

As lágrimas pareciam lavas incandescentes descendo pelo seu rostinho incauto.

O corcundinha, então, teve a idéia de rolar o seu corpinho molambento, embaixo de uma daquelas máquinas, que passavam velozmente, por ele. A idéia foi tomando corpo em sua mente confusa, mas, quando estava prestes a consumar o ato, um caminhão, daqueles, transportadores dos materiais de construção da prefeitura, o esmagou! O motorista nem sequer parou, mesmo, após olhar pelo retrovisor, e ver o corpo dividido, ensangüentado do corcundinha!

O corcundinha hoje está brincando com os seus amigos duendes, salamandras e bruxos dos contos de fadas, bem juntinho dos irmãos Grimm, aqueles sabichões, que reinventaram tantas histórias bonitas para serem contadas, à todas as crianças do mundo, desde há muito tempo atrás...