ANJO, JORILSON, PASSOS & O RIO DOS ANOS 1970!

ANJO, JORILSON, PASSOS & O RIO DOS ANOS 1970!

Série: Verdades que eu conto

Quem não conheceu Anjo Neto, Jorilson e Passos, amigos de Salvador na Bahia, que por um motivo ou por outro, reencontraram-se no Rio de Janeiro, em plenos anos dourados, não sabe o que perdeu! A lista de amigos é grande, incluindo-se Josevan, Portugal e mais uma dezena de corretores do mercado mobiliário, que povoam a memória folclórica da Bahia! O Portugal ficou famoso por mandar imprimir documentos (títulos, contratos, recibos, etc) da MERPOSA, com bela apresentação gráfica e endereço no CIA – Centro Industrial de Aratu, empresa petroquímica cuja razão social não aparecia explícita nos papéis, por tratar-se da MERDA EM PÓ S/A, cujas ações eram vendidas a pessoas de poucas letras, no interior da Bahia ou trocadas por ações de empresas conhecidas do mercado.

Anjo Neto era um cara incrível. Nasceu em Boa Nova-BA, foi criado no Rio de Janeiro, passou alguns anos em Poções e em Salvador, transferindo-se em 1970, com a família, para o Rio, indo morar em Copacabana.

Jorilson, de tradicional família da Chapada Diamantina, conhecido em Salvador como ‘o rei da construção’, foi para o Rio numa espécie de exílio imposto pela família, onde passou a receber uma ‘mesada’ mensal, indo morar em Botafogo, bem próximo ao Aterro da Glória.

Passos era corretor de imóveis, jogador de carteado nas horas vagas, casou-se com uma bela moça que morava em Salvador, na rua dos Perdões, que foi por três anos minha colega de curso pedagógico no ICEIA. Também foram morar em Copacabana. Jorilson encarregou-se de apresentá-lo às rodas da jogatina carioca. Passos estava com pouco dinheiro, mas dispunha do Cartão Dinner’s Club que era privilégio de poucos àquela época. E Jorilson não deixava Passos em paz. E tome-lhe Dinner’s pra lá, Dinner’s pra cá, almoçando e jantando nos melhores restaurantes do Rio, fazendo compras, até explodir a conta. Resultado: Passos teve que vender o piano, os móveis e por fim, pior do que saiu, voltou para a Bahia.

Os três eram velhos amigos, mas tinham algumas diferenças: Só Anjo era chegado a bares, farras com bebidas e mulherio, enquanto Jorilson, careca falante, boa pinta e pose de milionário, pegava as mulheres de bico seco; e Passos, bem, o Passos era mais ligado a um ‘carteado’ e passava mais tempo em casa!

Anjo era freqüentador assíduo do Woodstock, um barzinho incrementado que ficava na Rua Joaquim Nabuco, em Copacabana, já chegando em Ipanema, de propriedade de dois mineiros de Governador Valadares, recém chegados de Miami, onde levaram 10 anos trabalhando como garçons, o que lhes valeu boas economias.

Jorilson era cassado pelos incautos no Jokey Club do Rio, na Lagoa Rodrigo de Freitas onde ganhava e perdia em altas apostas (feitas no tete-a-tete) nas éguas favoritas. Quando ganhava, tudo bem, recebia a dinheirama e caía fora. Quando perdia, aí vinha toda a sua arte! Sacava do bolso do paletó (eis que só andava bem vestido) um talão de cheques, apenas com a folha da requisição, e fazia aquela cena! Ao final, anotava nome, endereço e telefone do credor e sumia na pirambeira!

Ele era muito arteiro. Conseguia dar nó em gota de éter...Certa vez assisti o Passos contar como teria sido hipnotisado pelo Jorilson que lhe levou dois cheques assinados em branco, deixando-o na pindaíba! Anjo contou que, num passe de mágica, Jorilson havia tirado quase todo o seu dinheiro do bolso da calça, em plena Avenida Atlântica. E convenhamos, não seria tarefa fácil para um vivente comum, tais proezas, em cima de duas figuras, tidas e havidas como espertíssimas!

O Jorilson tinha uma fórmula de ‘comprar’ cheques em branco. De posse de três ou quatro ‘voadores’, na sexta-feira de Carnaval, após o expediente bancário, dirigiu-se ao Yate Clube do Rio e apresentou-se a um dos seus diretores como grande empresário baiano que havia chegado ao Rio naquela tarde e desejava adquirir três ou quatro mesas para passar o Carnaval. O preço de uma mesa no Yate Clube era altíssimo e não era fácil encontrar mesas disponíveis em última hora. Jorilson conseguiu duas mesas, convidou algumas meninas de programa e passou todo o Carnaval bebendo e comendo no Yate, com direito a tratamento vip dos garçons, metres, Comodoro e diretores, sendo a sua mesa o alvo das atenções durante o reinado de Momo! Fatos assim repetiam-se na noite carioca. No Clube Federal, que ficava na Rua Timóteo da Costa, no Leblon, freqüentado pela fina flor da society carioca, o chefe da segurança era o baiano Valdemar Santana que havia derrotado Hélio Gracie em uma luta histórica no final da década de 1960. Jorilson aplicou inúmeros golpes na diretoria e em alguns ricaços que ficavam à sua volta, a ouvir suas bravatas à respeito de assuntos os mais variados. É bom esclarecer que o Jorilson falava vários idiomas, conhecia metade do mundo, era muito envolvente e um grande contador de causos!

O careca tinha muita facilidade para angariar amizades e confiança. De uma feita Anjo e ele marcaram encontro numa agência do BRADESCO da Av. N.S. de Copacabana, cujo gerente prometera um empréstimo para a editora de Anjo. Jorilson ia para ajudar a bombar o empréstimo. Como estivesse demorando, Anjo apressou-se em fazer negócio com o gerente e quando já havia assinado a promissória, contratos, etc, chega Jorilson que fez aquela encenação: - Olá meu velho amigo, como vai a Bahia, quando vamos nos ver para colocarmos o papo em dia!... Anjo que já estava satisfeito com o empréstimo, apresentou-o ao gerente rapidamente, despediu-se e ambos saíram conversando. Já fora da agência o Jorilson pergunta-lhe qual havia sido o valor do negócio. Anjo explicou que era o primeiro empréstimo e tal, e que o valor era de três ou quatro mil reais (conversão para valores atuais). Jorilson mostrava-se indignado:

- Ora meu amigo, comigo seria bem diferente, sou capaz de pegar o triplo deste valor e, ato contínuo, pegou o amigo pelo braço e dirigiu-se ao gerente, a pretexto de obter algumas informações. Com alguns minutos de prosa passou a gabar-se que tinha algumas amigas mineiras muito bonitas, meninas de família, e tal, e que traria as belas para apresentá-las ao incauto gerente na segunda-feira.

Com essas e outras armadilhas, em pouco mais de 15 minutos saíram da agência com o triplo do valor do empréstimo e o Jorilson exigiu um terço do valor total!

- Eu preciso da grana para fazer uma fézinha domingo no Jokey e prometo que devolvo na segunda-feira, sem falta...

Coisa que jamais aconteceria!

O Anjo contratava corretores para longas viagens de negócios à Bahia. Inúmeras personagens surgiam neste vai-e-vem de colaboradores, alguns deles de digna memória! Um deles, de nome Enéas, era alto e forte, pescoço de levantador de peso, boa pinta, etc. Anjo viajou com este elemento e a viagem se desenvolvia normalmente pela Rio-Bahia, até que, em plena madrugada, nas imediações de Medina, em Minas Gerais, foi surpreendido pelo companheiro de viagem que, com uma toalha envolvendo a cabeça (como se fora uma freira), declarou:

- Anjo, eu sou ardente!

Amanheceram em Poções e em pânico, Anjo suplicou ao meu irmão para fazer aquele débil mental voltar para o Rio...

Meu irmão quis argumentar, mas a coisa era séria demais:

- Pelo amor de Deus, Ernesto, ponha este louco num ônibus de volta para o Rio!!!

Ricardo De Benedictis
Enviado por Ricardo De Benedictis em 18/09/2008
Reeditado em 23/01/2018
Código do texto: T1183709
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