O beija-flor
Era um bom gourmet, na verdade um bom garfo; de tudo comia o todo. Doce, então, era com ele mesmo. Os industrializados! Consumía-os até expirar-lhe a gula. De natural, nada de frutas, principalmente os cítricos; de amarga já basta a vida, dizia. Dos perigos, esgotaram-se os alertas; seu peso, as balanças recusavam calcular. Adorava as aves, mas não admitia ingeri-las, lesava-lhe o coração. Após o desjejum, esparramava-se na rede da varanda de seu sítio e postava-se a alimentá-las; do vasto sanduíche de pão com goiabada, três partes para ele e uma para os pombos e congêneres. Mas, de todas as aves, com uma em especial, o beija-flor, a "empatia" prevalecia. A este era diariamente reservado um singelo reservatório contendo um monstruoso caldo tão açucarado, que os menos avisados nauseavam em um primeiro olhar.
Entre gulas e bulas, tornou-se diabético. Hoje, já glaucomatoso, não mais consegue enxergar o seu precioso beija-flor. Este, por sua vez, nunca mais voou; não por razões sentimentais como muitos possam supor. A vida amputara-lhe as asas, já gangrenadas.
Em recente congresso de veterinários, foi apresentado um minucioso e inédito trabalho sobre o primeiro caso de Diabetes em um beija-flor.