O RISO

Também se sabe que seu nome não era “Flor de noite”, que sua vinda à cidade não tinha nada ver com uma primaria necessidade, senão mais bem com o respeito.

- Enrola-me um cigarro e te conto a minha historia... Dizia ele, mas quando o conheci mesmo era mulher.

- Convida-me a um copo... Também tinha outra historia... E nenhuma das duas podia acabar bem.

Um clube de alterne: - Chama-se o Latim Heart. Mas eu te contaria sua historia, se não fosse que hoje venho disposto a fazer-te o amor... Falava assim de quando em quando. Falava tantas coisas, às que nunca credito lhe dei, como incitando ao mundo a traspassar sempre uma invisível murada, um jogo para evadir e ao mesmo momento corromper-se, comprometer-te, saber do escuro também em ti.

Ele gostava mesmo de conquistar um homem:

- Convida-me a um copo de vinho e te mostro o céu.

Algumas vezes trabalhava, outras deambulava pelo norte da desolação na procura dum abandono, mas tinha um danado otimismo de salão como que entende que ao pôquer não se joga para ganhar, e a vida fica no lixo ao menos que tentes agir, acima das tuas, e as dele eram ínfimas, possibilidades.

- Um dia decidi provar as roupas da mãe, e me vi mais lindo ao espelho, enfiando naquele disfarce por um minuto fui feliz e sorri, por que a propósito esse verde da saia nascera pra mim, para todo meu corpo. O dela muito inútil aos olhos do meu pai...

Outro dia esteve tão lindo no colo dela, outro dia fugi. E depois veio Alberto, o que trabalhava na Universidade e porem mal vivia com Pedro, Pedro foi quem me votou do apartamento alugado a um caseiro de açafrão no bigode. O Sr. Ricardo era tendeiro, carniceiro e, a saber, dono dum pequeno mercado: dez moedas trezentas gramas são de carne, três moedas um molho de feijões verdes e crus. E a noite por uma ceia, a cama mole e ele por riba de ti. De ai há um ano, tudo muito confuso: as noites de vomito os dias a adormecer, quando ele chegava nomeava-te de cabrão.

Conversava assim “Flor de Noite”, em demora ou na espera das sombras espargirem um aroma insano, e muito tabaco, e algo de rum: era o que ela anelava, com tanta saudade, com pronta e frágil submissão seu ego viçoso.

- Depois não tive muita sorte, um trabalho aqui outro acolá e afinal Roger fiz em mim a noite. Ela, sua mulher, Diana viu formas eu decidi provar, mas o que menos esperava era um bailar uma e outra noite por baixo da verga de algum hipócrita ébrio. E ter de agüentar as náuseas quando acontece a um cliente de exigir entre suores entre pernas grossas um alivio de boca na minha língua fermentar. E por isso que comecei enfeitar o nariz por dentro a animar-me mais do devido, e dever-lhe tanto a Roger, que um dia se negou a que eu bailasse desfeito. Diz-lhe sim! como se o baile me importasse, e ele me espancou. Esfoliou-me a cara a golpes. E logo marchei nos braços abertos de uma ambulância com fígados desfeitos, recolhida ao bordo de um beco afogado, onde os gatos que miavam advertiram de que alguém procurava no fundo a morte. Diz que essa chamada anônima me trouxe aos poucos do alem, mas eu não lembro de estar aquem.

Esta e a segunda vez que me regressam num hospital, mas diga-me senhor doutour, como formas as minhas analises...

Quisera às vezes mentir, mas não reparei ainda que aposta assenta melhor. Pode depender da gente, mas hoje depende de mim – dise para comigo mesmo, ao tempo que em aquele dia, em àquela hora reparei comigo a dizer:

-... Você esta infestado!... com a boca pequena, o verbo concreto e a posse de um juiz que ainda marca distancias com réu, por medo ao contagio.

Falava tanto e tantas cousas, que apenas me lembro de ouvir-lhe dizer:

... de esta se sim me fago Noite.

Tremendo todo seu corpo no último riso cheio que eu nesse quarto escutei.