Ponto Cego
Somos como pó de estrela que caí no gramado à noite, e que não vemos brilhar porque estávamos distraídos com a TV.
Chego e olho para o espelho. Contemplo com certo espanto a barriga que cresceu em mim, e eu nem percebi. Não sei se foi durante o campeonato de futebol ou durante toda minha vida. Enquanto minha filha saia de casa e eu ficava vendo TV, de tão perplexo com meu mundinho que acabei esquecendo esse aqui.
Talvez tudo tenha começado com meu divórcio, quando parei de prestar atenção em Elaine? Não me lembro. Ou talvez tudo já tivesse sido engrenado no dia em que disse o "sim", condenando aquela mulher à minha ridícula existência. O espelho não mente e meu corpo está despencando.
Acho que talvez o ser humano tenha realmente um ponto cego para tragédias em andamento, só conseguimos vê-las quando já estão dentro de nossas vidas, derrubando tudo que podem, como um touro ferido numa tourada espanhola.
Temos um verdadeiro daltonismo emocional. As pessoas estão sempre explodindo em cores ao nosso lado, como auras de sentimentos, e nós não vemos.
E conforme os anos passam todos se afastam, e ficamos dentro de nossa carapaça vazia, como uma barata devorada por formigas e deixada para secar e esfarelar-se.
Há anos que me sinto como uma barata.