Perereca Urbana

Era meu aniversário de quinze anos, meu pai queria que eu perdesse a virgindade eu estava com medo do que fosse acontecer. Estava frio, ou era impressão minha, só sei que eu tremia incontrolavelmente. Meu pai dizia:

— É hoje que você se tornará um homem.

Eu continuava ali, sentado do seu lado no carro apenas respirando profundamente enquanto ele terminava de fumar o seu cigarro.

— Junior, Junior, Junior.... — meu pai disse calma e lentamente.

Eu não sabia se meu pai estava falando comigo ou apenas pensando alto, mas por via das dúvidas eu correspondi o seu chamado, afinal eu não queria faltar-lhe com o respeito deixando-o falar sozinho.

— Sim pai.

— Você está feliz?

Por um instante eu pensei e não respondi. Fiquei em silêncio, pois na verdade eu não estava feliz. Eu estava nervoso, ansioso, com medo e com uma sensação de frio sobrenatural.

— Você devia estar feliz — dizia meu pai com um tom áspero —, pois vai ser a sua primeira mulher. Você vai ver como é bom. Vai ter sorte se for uma com tetas grandes e boceta apertada. E não esquece de como usar a camisinha hein.

Meu pai fechou o vidro do carro e pediu que eu fechasse o meu. Meu coração dispara.

— Vamos. — diz ele.

Eu desci do carro assim que ele desceu. A luz do poste estava piscando, como se fosse uma luz de natal em abril. Meu pai seguiu na frente com passos curtos e lentos. Eu segui atrás acompanhando na mesma velocidade.

O local onde ele estava me levando era próximo, faltava apenas uma quadra pra chegar. Nós andávamos enquanto nossas sombras ganhavam diferentes dimensões mergulhadas na luz amarelada. A noite estava linda.

Um senhor de idade, sujo e com roupas vagabundas chega perto do meu pai e pergunta:

— Você tem um cigarro pra me arrumar?

— Não, não... eu não fumo.

— Como assim, não fuma?

— Não fumo.

— Mas eu vi o senhor fumando agora pouco.

Meu pai fez uma cara de “afff que saco” e disse:

— Olha aqui meu senhor, e se eu não quiser te dar um cigarro hein? — disse com agressividade na voz. — Eu não sou obrigado a bancar o vício de ninguém.

— Oh, me desculpa — disse o velho que agora começava a se afastar —, eu não queria incomodar, me desculpa.

Aos poucos o velho foi se afastando, a principio, andava de costas olhando para o meu pai, mas depois virou-se e seguiu seu caminho. Meu pai olhou pra mim e disse:

— Velho folgado! Acha o quê? Que tenho cara de papai Noel? — eu permanecia em silêncio — Idiota.

Depois disso andamos mais uns vinte metros e pronto, estávamos em frente à Mansão dos Desejos. Era um sobrado grande, nem chegava a ser uma mansão de verdade. A fachada era rosa bebê com detalhes em vermelho. Havia uma grande porta de madeira e uma janela na frente. Logo acima havia uma varanda. No cercado brilhava o letreiro “Mansão dos desejos”. Eu olhei a frente do lugar e fiquei mais nervoso ainda. Eu não queria deixar de ser virgem. Não ali, daquele jeito. Havia uma garota que eu gostava, mas eu não tinha coragem pra me declarar. E meu pai tinha medo que eu virasse gay.

Bom, eu nunca tinha pensado em ser gay, eu havia tido algumas experiências sexuais com meus primos na infância, mas que criança não teve? E afinal de contas eu apenas queria saber o tamanho do pinto dele. Se bem que um ano mais tarde eu fui estuprado por um outro primo meu. Ele tinha quinze e eu sete. Eu esperei o dia inteiro para ir ao parque de diversões com meu pai. Mas minha mãe tinha que mandar eu ir tomar banho com meu primo. Aquele idiota, falou que ia me ensinar uma brincadeira nova e acabou comendo o meu cu. Ele me fez prometer não contar a ninguém ameaçando me bater, mas mesmo assim eu não contaria nada, seria embaraçoso falar sobre isso.

Na frente do bordel eu fiquei parado um instante pensando em tudo isso. E uma pergunta ecoava em minha mente como o uivo de um lobo que mordia meu cérebro a cada instante. “Será que eu sou gay?”. Quanto mais pensava mais confuso eu ficava. Foi aí que eu decidi e disse para mim mesmo. “Eu não sou gay e vou perder minha virgindade hoje mesmo!”.

Meu pai passou pelo arco de ferro que ficava entre a calçada e a entrada do bordel. Parecia um arco-íris enferrujado. Subimos por uma escadinha que levava até a porta, as plantas ao redor eram feias, algumas estavam mortas. A porta não era nem rosa nem vermelha, era verde. Tanta cor me doía os olhos que já eram fracos pela leitura excessiva.

Meu pai antes de apertar o interfone olhou pra mim e disse:

— Vê se tira esses óculos. Aposto que já teria perdido a virgindade se usasse essa porra de seus olhos azuis pra alguma coisa. — dentro de seus olhos eu via uma agressividade sem intenção de ofender, ele era por natureza estúpido.

Ele apertou o interfone.

Uma voz suave e feminina saiu da caixinha eletrônica.

— Boa noite. Hoje é uma noite especial, por isso você precisa de uma senha. Por favor, fale a senha.

Naquele momento eu pensei “Estou salvo! Vamos ir embora agora.”, mas eu estava enganado. Surpreendentemente meu pai chegou a boca fedida de fumo e com seus dentes amarelados próximo ao interfone — e ainda bem que interfone não passava cheiro, porque meu pai tinha mau hálito— e disse:

— Perereca urbana.

— Ok, a porta já será aberta, obri... gada. — a pessoa do outro lado engasgou na hora de agradecer e terminou a frase com uma voz masculina.

Meu pai olhou pra mim e disse:

— É... já não se fazem mulheres como antigamente.

Enquanto ele falava comigo alguém mexia na maçaneta dou outro lado da porta. Ela se abriu e uma mulher loura, alta, cabelos curtos, batom preto e de vestido cinza azulado, apareceu na porta, olhou pra mim e olhou para meu pai.

— Esse é o rapaz? — ela perguntou.

— Sim. — meu pai respondeu.

— Venha, pode me acompanhar. — a mulher disse pra mim.

Eu estava com medo. Mas decidido a deixar de ser virgem. Eu entrei meu pai olhou pra mim do lado de fora e disse que me buscaria daqui a duas horas.

A moça fechou a porta enquanto eu ainda olhava para meu pai.

Tive vontade de ir embora, sair correndo dali, mas não fiz isso.

Ali mesmo onde eu estava havia uma sala cheia de garotos com mais ou menos a minha idade. A princípio eu achei estranho.

— Você pode ficar a vontade aí no sofá, quando chegar a sua hora nós vamos te chamar. Você é o número zero oito.

Eu estranhei ela me dar um número, que sistema mais estranho para um prostíbulo.

Sentei-me no sofá amarelo ao lado de um garoto de cabelos longos. Eu tentei me acomodar no acento, virei daqui e dali, mas mesmo assim estava incomodado.

Eu me levantei e fiquei em pé encostado na parede.

De repente, uma moça muito bem arrumada e maquiada, mas feia, desceu a escadaria da sala e chamou:

— Zero um!... Pode me acompanhar, por favor.

Um garoto gordinho de uns treze anos se levantou do sofá amarelo e seguiu a moça, os dois subiram lá pra cima.

O que estava acontecendo? Porque só tinham alguns poucos adolescentes ali?

Um garoto que estava sentado no sofá verde ao lado do sofá amarelo se levantou e se encaminhava na minha direção. Ele chegou perto de mim e passou direto. Me virei para traz e fiquei vendo pra onde ele ia, e o destino era um banheiro que tinha um pouco atrás onde eu estava.

Uma outra mulher desceu as escadas e chamou pelo número zero dois.

O garoto de cabelos compridos subiu.

Ouvi o barulho da descarga e depois de água. O garoto saiu do banheiro. Ele esqueceu o zíper aberto. Ele chegou perto de mim e dessa vez parou, olhou pra mim e perguntou:

— Porque você está aqui?

Eu olhei nos seus olhos negros e disse a verdade.

— Meu pai quer que eu perca a virgindade.

— Como é seu nome?

— Rodolfo, mas me chame de Junior. E o seu?

— Michel.

— E porque você está aqui?

— Porque sou gay.

Eu fiquei um pouco assustado por ele ser tão direto. Fiquei um instante em silêncio, e depois perguntei:

— Como assim por você ser gay?

— É que meu pai não quer um filho gay, ele não aceita que eu seja assim, então ele me trouxe obrigado aqui hoje para que eu transe com uma mulher.

— Que foda.— eu digo.

Mais duas mulheres desceram as escadas, uma negra e uma mestiça. Os números zero três e zero quatro sobiram com elas.

— Qual o seu número? — eu perguntei.

— Zero sete.

— Hum...

Fiquei um instante em silêncio, minhas mãos estavam frias. Eu olhei para o Michel e fiquei pensando novamente sobre minha sexualidade.

— Você já esteve aqui outras vezes? — Michel me pergunta.

— Não, e você?

— Não também, mas sei que uma vez por mês a mansão fecha só pra atender adolescentes. Os pais pagam uma fortuna para isso, geralmente os pais acham que seus filhos têm algum problema sexual, ou tem medo que eles tenham, mas na real, os problemáticos são esses pais. — ele olha pra mim no fundo dos meus olhos enquanto fala. — Me desculpe se você acha que seu pai não é, mas o meu é com certeza.

— Número zero cinco e zero seis. — outra duas mulheres estão esperando na escada. Mais dois garotos sobem.

— Eu preciso ir ao banheiro. — eu digo.

Eu me virei com velocidade e fui ao banheiro. O tempo corria, estava próxima a hora em que eu perderia minha virgindade.

Eu lavei o meu rosto e sequei na própria camisa. Eu levei minha mão a maçaneta e ao abrir a porta dou de cara com Michel. Ele estava ali me esperando. Ele olhou com um olhar forte para mim. Fico mole, seduzido e encantado. Ele veio em minha direção me levando de volta pra dentro do banheiro. Ele me abraçou, fechou a porta e quando voltou a me encarar, ele me beijou. Um beijo puro. Ficamos ali no banheiro nos beijando por um bom tempo.

Meu nervosismo continuava, mas não estava incomodado, estava me sentindo tão bem. Sentia que ia explodir de tanto tesão.

Enquanto a gente se pegava dentro do banheiro, do lado de fora uma mulher começou a bater na porta. Eu e Michel nos soltamos. Nossos lábios se desgrudaram com dificuldade. Eu me escondi atrás do boxe. Michel abriu a porta.

— Você é o número zero sete? — a mulher perguntou.

— Sim so-u e-u. — ele gaguejou um pouco.

— E pra onde foi o zero oito?

— Eu não sei.

— Vem comigo.

Michel saiu do banheiro e subiu as escadas. Logo eu saí, verifiquei se estava sozinho na sala. Eu fui em direção a porta e tentei sair dali. Não consigui a porta estava trancada. Eu fiz de tudo, mas não abriu. De repente Michel desceu correndo as escadas com uma chave na mão. Uma mulher desceu atrás gritando, e quando ouvi a voz percebi que não é uma mulher. Michel abriu a porta e nós saímos rápido. Corremos até cansarmos e termos certeza de que não iam nos achar. Ficamos sentados em uma praça.

Ele segurou em minha mão e dessa vez eu lhe dei um beijo.

Disse a ele que precisava ir. Trocamos telefones e nos beijamos mais uma vez. Antes de partir eu perguntei quantos anos ele tinha, ele disse dezessete.

Eu voltei para perto da mansão pra encontrar meu pai. Michel foi para sua casa sozinho, ninguém ia vir lhe buscar. Eu não podia deixar meu pai chegar até a mansão. Eu andei um pouco, mas não encontrei ele pelas redondezas. Olhei no relógio e ele já devia ter vindo me buscar. Quanto mais andava, mais próximo da mansão eu estava. Eu avistei o bordel, e o carro do meu pai estava em frente. Eu corri em direção ao carro e meu pai não estava lá dentro. Olhei para a mansão e estava fechada. Não havia ninguém na frente a não ser eu. Encostei no carro e coloquei as mãos na cabeça, quando meu pai apareceu lá na esquina. Ele chegou perto de mim e perguntou:

— E aí garoto, pronto?

Eu fiquei aliviado ao vê-lo.

— Pronto. — eu respondi, queria sair dali o mais rápido possível.

Montamos no carro, olhei em direção a Mansão dos Desejos e não vi ninguém. O carro funcionou e nós partimos para casa cortando o fim da madrugada.

— Como foi a noite filho? — meu pai perguntou.

— Melhor impossível. — eu respondi com um enorme sorriso no rosto.

— Eu sabia que você ia gostar.

Chegamos em casa, minha mãe estava dormindo. Eu deitei em minha cama e durmi tranqüilo, com a certeza da pessoa que eu era.

Com certeza da pessoa que eu sou.

E mais do que nunca, feliz por ser assim.

Samuel Farias
Enviado por Samuel Farias em 17/08/2008
Reeditado em 02/11/2008
Código do texto: T1132397
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