Amor

Aquela segunda-feira estava mais monótona do que o normal. A vidinha corriqueira da população daquela pequena cidade estava no ápice de sua banalidade. As pessoas faziam suas tarefas do cotidiano. O padeiro fazia pão, o pintor pintava, o pedreiro construía, a costureira costurava, o pastor ganhava, o padre se acomodava e o mendigo se aceitava. Tudo estava dentro do que as pessoas denominavam normal.

Um homem sujo, cabelos longos, um olho totalmente coberto por catarata e uma corcunda enorme, passava de porta em porta procurando algo especial.

— Bom dia, eu estou passando de casa em casa, procurando por amor. — dizia o homem para todas as pessoas com quem conversava.

O homem dizia essa frase com um tom sério e um olhar franco. Não importava quem fosse, pobre ou rico, branco ou negro, jovem ou velho, criança ou adulto, crente ou ateu, ele repetia a mesma frase a todos. As pessoas não sabiam como reagir diante dessa situação. Ficavam encabuladas como se estivessem com uma coceira no genital e não pudessem coçar, porque estavam em público. Isso mesmo, uma coceira no genital não está nada longe do que as pessoas pensavam dele.

A tarde acabava e as primeiras estrelas reluziam no céu, e o homem ainda não tinha encontrado o amor procurado. E quando passava na última casa, estava decepcionado, mas não havia perdido a esperança de encontrar o grande tesouro. Ele bateu palmas e em poucos segundos uma moça exageradamente maquiada veio atendê-lo.

— Boa tarde, — disse o homem — eu estou passando de casa em casa, procurando por amor.

— Bom, é cinqüenta reais a hora. — respondeu a mulher, que tinha uma aparência de evangélica, mas com uma sensualidade maliciosa.

Logo o homem percebeu que ali era uma casa de prostituição, e mesmo não tendo dinheiro ele fez um sinal de ok com a cabeça para a moça e entrou. Pois ele sentia de alguma forma que ali encontraria amor.

Dentro da casa ele avistou duas garotas sentadas em um sofá. Uma morena que devia ter uns quinze anos e que aparentava tímida, provavelmente era nova na profissão. A outra era uma loira com no máximo dezessete anos, esta estava chorando de uma forma tão espantosa que as feridas de seus lábios rachavam cada vez mais.

— Espere um pouco, eu vou me arrumar. — disse a moça que o atendeu no portão.

A moça entrou pelo corredor enquanto o homem esperava na sala observando tudo cautelosamente. As duas moças que estavam no sofá também entraram no corredor, deixando o homem sozinho. Ele continuou observando o cômodo, que não tinha nada de surpreendente, até que ele percebeu uma caixa vermelha no canto da sala, bem longe da janela, exatamente atrás do sofá. Ao ver a caixa, ele sentiu uma presença de amor inexplicável.

Ele caminhou em direção da caixa e não hesitou em levar suas mãos para abri-la. Ele sorria e seu corpo começou a tremer. Seria medo? Alegria? Nervosismo? Bom, isso passou logo, pois assim que ele abriu a caixa uma sensação que misturava ódio e esplendor tomou conta de si. O que ele encontrou na caixa foi mais animalesco do que uma serpente venenosa. Dentro daquela grande caixa revestida de camurça vermelha havia uma mulher nua. Devia ter em média de uns vinte anos e aparentava irracional. Ela estava amarrada pelo pé. Uma corrente grossa ia de seu pé esquerdo até a estrutura de madeira da caixa. Ela não tinha cabelos nem pelos em nenhuma parte do corpo, que estava coberto por esperma semi-seco. O seu cheio era horrível.

O homem perguntou o seu nome, e ela apenas emitiu gemidos e ruídos. Na realidade ela tinha medo do que ele iria fazer com ela. Ela receava ter que transar com mais um estranho nessa tarde. A verdade é que ela nunca fora um ser humano, nasceu em um bordel e nunca teve consciência de seu papel neste local.

O homem tinha certeza que estava próximo do seu tesouro, pois por baixo daquele ser sexual, havia amor de verdade. Havia inocência e pureza. Ele tinha certeza que estava ali. Sim o amor procurado estava bem ali, em sua frente. Amor que ele encontrou no momento em que revelou a sua verdadeira identidade. Esse homem era um ser de outro mundo. Ele pos a mostra as suas asas rajadas que brotaram daquela grande corcunda. Asas de anjo. Foi a primeira vez que aquela garota se sentiu um ser humano. Ela sabia que podia confiar naquele ser, ele não iria machucá-la.

E nesse instante de confiança, o anjo provou do amor mais humano de todos, a garota o abraçou de uma maneira racional e sensível. O anjo aceitou o abraço segurando-a forte em seus braços. E quando eles se soltaram e deram as mãos o céu dobrou-se como um papel, o chão se abriu, as trombetas tocaram e o mundo principiava o seu fim.