Era uma vez... - Parte 3

“Era uma vez um pai que queria ser pai, mas não conseguia ser pai talvez por nunca ter sido pai. Muitos também pensavam que esse pai não gostaria de ter sido pai, o que nunca se caracterizou como verdade, nem absoluta nem relativa. Enquanto a vida possibilitou que tomasse atitudes como pai, fora pai. Mas a vida, assim como a invenção do doutor Joseph Guillottin, guilhotinou a vida de pai desse pai”.

“Era uma vez um médico que vivia em França do século dezoito. Durante quase toda a vida suas invenções, assim como a de muitos inventores, e seus afazeres como médico, não causaram qualquer efeito social ou mesmo profissional. Então, num gesto covarde de mercantilismo inventou uma parafernália que laminava quase que perfeitamente a cabeça de condenados à morte – e esse “quase que perfeitamente” ficou comprovado em muitos casos, onde o condenado à morte teve que morrer algumas vezes antes de morrer realmente. Ficou famoso, amado e amaldiçoado. Aquele pai que nunca conseguiu ser pai não conheceu pessoalmente a invenção do doutor Joseph Guillottin, o que não significava que não conhecia as principais características “guilhotinadoras” desse invento infernal. Morria, ainda que vivesse na mais perfeita sintonia com a vida, a cada acionamento algoz dessa lâmina sem alma. E o desprezo conseguiu ser o mais implacável de todos os algozes. Ás vezes a lâmina falhava quando acionada, e ele morria, sem parar de respirar”.

“Era uma vez um pai que vivia em França. Muitos pais perderam a cabeça com a invenção desse pai. Outro pai, esse aqui no Brasil, e contemporâneo, não perdeu a cabeça com a invenção desse médico francês. Tinha sua cabeça colocada a prêmio todos os dias, mas teimava em continuar com aquela cabeça sofredora apoiada em seu pescoço”.

“Era uma vez uma vida que queria viver e que tinha seus passos sempre interrompidos por alguma circunstância anormal. É lógico que essas circunstâncias anormais que se intrometiam na vida dessa vida não eram realmente anormais. Qualquer anormalidade (realmente anormal) que viesse a se intrometer na vida dessa vida, não teria o mesmo destino das cabeças dos condenados à morte que foram condenados à morte pela Corte Suprema de França. Aquele médico e inventor, cuja invenção deixou tantos órfãos e tantas viúvas, não conseguiria jamais guilhotinar a mente dessa vida. Nem mesmo os passos desengonçados e tristes daquele menino triste e desengonçado anularia qualquer atitude dessa vida de processos anormais”.