O HOMEM DO TOLDO

O apartamento era tão quente que parecia a filial do inferno. Costumava dizer que quando ventava, o infeliz do vento passava paralelo às janelas, ou seja, para sentí-lo era preciso colocar o corpo pra fora, quase até a cintura . Daí decidiu mandar instalar um toldo. Com o tempo - e com a ação do sol implacável - o toldo começou a dar sinais de cansaço. Primeiro, a lona foi se rasgando, depois a ferragem começou a se soltar. O que era proteção havia se transformado numa ameaça aos pedestres.Ela já havia despachado a filha para o colégio. Não que tivesse um horário muito rígido no trabalho, mas estava angustiada pra resolver logo aquele problemão.

O porteiro - meio paspalho - já tinha sido avisado que o "homem do toldo" iria lá pela manhã para desinstalar a geringonça. Já estava pronta . Assim que o homem fizesse o trabalho, "voaria" para o seu...

Inquieta e ansiosa, alternava olhares para o relógio e para a janela. Meia hora se passou até que a campanhia soasse. Pelo olho mágico viu o porteiro e um homem atrás dele. Abriu a porta, ignorou o que parecia ser uma dispensável apresentação por parte do porteiro paspalho e puxou o homem para dentro do apartamento. O porteiro, por sua vez, ao ver a porta fechada na sua cara, deu de ombros e foi cuidar da vida.

-"O senhor, por favor, venha aqui no quarto"...

O homem a seguiu com uma prancheta na mão. Ela continuou:

-"Olha só que perigo"... disse, projetando o corpo para fora da janela, de modo que pudesse ver o toldo pendurado, sendo imitada pelo homem.

- "E o senhor sabe, se acontecer alguma coisa, a responsável sou eu..."

-" É, a senhora tem razão"... admitiu o homem, um tanto sem graça.

-"Olha, se for demorar, a gente marca outra hora, mas o senhor já fica sabendo que tenho urgência... Quanto o senhor vai cobrar pelo serviço?"...

- "Eu não vou cobrar, não senhora"...

- "Ah, quer dizer que a empresa admite que o material é de segunda e que a instalação foi péssima, né?"

-"Não senhora, não é isso"...

-" Não vai me dizer que a firma só instala... se eu quiser desinstalar, eu que me lixe, né?"

- "Não, senhora... é que eu trabalho no IBGE, estou fazendo o Censo... vim só pra fazer umas perguntas... e..."

Ela respirou fundo, ajeitou o cabelo, tentou falar alguma coisa do tipo - "não sou sempre assim, ando estressada "- mas nesse momento reparou que o homem era um moreno de barba cerrada e olhos amendoados, um tipão... Olhou bem dentro de seus olhos e , imaginando que ele tinha certeza de que ela era louca, tascou-lhe um beijo de língua...

Belinda Tiengo
Enviado por Belinda Tiengo em 27/06/2008
Reeditado em 19/08/2008
Código do texto: T1054323
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