Originalidade

Prólogo:

Quero dedicar este texto a quem, sem me pedir nada em troca, me deu a luz do discernimento. Papai Muniz e mamãe Júlia, que o bondoso Deus mantenha-os sob a luz eterna de sua paz originária, infinita bondade e minhas excelsas lembranças.

Sol a pino, encontrava-me suando em bicas, pés doloridos, camisa borrada de suor que porejava do corpo resfolegante. Como ser criativo nessas condições? Andara em círculos e quando menos esperava estava diante de uma praça que naquela ocasião parecia uma bandeira no drapejar vivaz e alegre, um verdadeiro oásis, haja vista meu cansaço extenuante. (Quem conhece Campina Grande-PB sabe que me refiro à Praça da Bandeira situada em frente aos Correios).

Eu visitara várias barraquinhas com o propósito de comprar alguns cartões (aniversários, nascimentos, boas-vindas, natalinos, pois precisava “fazer uma média”, com os raros amigos e amigas que a duras penas ainda conservo. Não é assim que se demonstra afeição, hoje em dia, em determinadas épocas do ano?

Claro que eu não estava preocupado com a originalidade! Alguém por acaso preocupa-se? Por que deveria eu ser diferente? Se assim fosse como sobreviriam os inúmeros desempregados, vendedores ambulantes de mensagens para ocasiões diversas, eivadas de erros grosseiros, aureoladas de propagandas que não convencem, formatadas de forma bizarra e com aparência carnavalesca?

Minha presbiopsia crescente incomodava-me, os olhos lacrimejavam e as gotas insulsas misturavam-se ao humor aquoso superabundante e incolor do rosto tenso. As imagens dos transeuntes tremeluziam como fantasmas disformes e quando me sentei num banco malconservado para refletir mais e melhor sobre os destinos do homem, vislumbrei, noutro banco próximo, um velho sentado, quieto, (Assemelhava-se ao meu saudoso papai Muniz nos últimos dias de seu malíssimo viver), contemplando o tempo passar, quando o tempo para nós dois já havia irremediavelmente passado.

Os olhos daquele ancião, por trás das lentes embaçadas dos óculos, eram de uma resignação bovina, quase suplicante. Silenciosa e rija, em meio à formosura das flores que levemente balouçavam, uma estátua de alguém (Sei o nome do político outrora ovacionado, mas em obediência à ética omito-o) que fora em algum tempo homenageado, igual talvez ao homem velho das proximidades, possivelmente com pompas, jazia esquecida pelos correligionários. Aquela estátua era de um homem que congelara com o bronze o segredo de sua influência sobre os seus concidadãos.

Igual àquela estátua e ao imóvel homem idoso, estava eu sem proteção, em compulsória e sofrida solidão. Éramos (Estátua, eu e o desconhecido senhor), naquela ocasião, anônimos para muitos que vão às praças. O ideal e a originalidade não podem ser nomeados, nem uma vitoriosa luta se perpetua em metal exposto às intempéries.

É preciso ser útil, querido, necessário e criativo a vida inteira para um dia ser lembrado. Isto é impossível, pois o tempo é inexorável e o ser humano imperfeito!

Todavia, existem seres que se lembram dos que permanecem à toa nas praças... os pássaros, que em sua ingenuidade divina enviam de suas cloacas e dos céus as mais originais e coerentes mensagens, em forma de dejetos, a nós todos, viventes incautos, que vagam, ou estátuas sempre imóveis e não menos indefesas.

De repente recebi meu morno e perfumado presente indesejado! Desconfiado, olhei para os lados, puxei o lenço e passei-o pela cabeça calva para limpar a mensagem mais original que recebera até hoje.

Quanto a estátua, silenciosa, em sua resignada diuturnidade, condenada ao cumprimento de estática pena, também agraciada com igual lembrança, esperaria a chegada das chuvas, lavadeiras sazonais de tudo, principalmente de nossa conspícua e seletíssima humanidade.

Após limpar-me, trêmulo, cansado, faminto e cambaleante, pois já passava do meio-dia, sai da praça e resolvi caminhar mais um pouco pela rua Floriano Peixoto; entrei na igreja, catedral sempre em reforma, e sofrido debulhei-me em pranto. Chorei copiosamente tentando lavar o desespero da nostalgia e ainda nessa ocasião ninguém tentou consolar-me. Eu estava só na dor de meu desengano.

Saudoso e mais que desamparado, lembrando-me dos meus anjos (Papai e mamãe, já falecidos, os quais aguardavam-me para juntos esperarmos os demais familiares e dessa forma continuarmos na íngreme escalada da evolução espiritual), senti um sopro original, algo divino e suave envolto em esplendoroso tom de musicalidade, capaz de lenir minha dor, estando eu em aflitivo momento, chorando e afogando-me em afligimento e amaríssimas reminiscências, que murmurava:

"... Filho amado, não chores por nossa ausência, pois muito em breve estaremos todos reunidos em uma grandiosa e reconfortante tertúlia para louvarmos a grandeza e benevolência de nosso pai celestial. Oh! Quantas alegrias e paz temos tido com tua paciência e esperança. Inebriam-se nossos espíritos pela tua fé e respeito aos nossos ensinamentos. Tua honradez tem-se refletido em brandura".

"Teu sacrifício, na edificação do caráter dos nossos netos, demais familiares e amigos que prestigiam teus devaneios, às vezes escabrosos, através da didática epistolar, um dia haverá de ser reconhecido por todos quantos envoltos em luz mantém-nos também iluminados, proporcionando-nos excelsas maravilhas".