Uma vida em sonho

Belvedere  Bruno



Vivia imersa em sonhos.  Decerto, neles existiam  as  cores,  os sons e os sabores, que, há muito, haviam sido   subtraídos de sua vida, sem que soubesse a razão.  Era enternecedora a suavidade em seu semblante quando  adormecia se aconchegando  entre   travesseiros e  edredons.  A vida  ao vivo já  perdera  a  graça.  Acordada, não sabia quem era filho, neto, bisneto, sempre  trocando seus nomes e falando sobre fatos remotos como se fossem atuais. O ontem  parecia o  hoje  de forma  fragmentada.
  Afagando  seu   rosto, a chamávamos pelo nome, suavemente, para que não despertasse assustada: "- Marta, Marta..." Ela entreabria os olhos, e sorríamos, ao perceber que ainda se reconhecia . Esperávamos suas palavras, a interação no nosso dia a dia, mas logo buscava o ontem, proferindo frases desconexas, com o olhar vago, constantemente  a murmurar : "- Pedro...Pedro...."
Os dias se passavam e mais Marta se isolava da vida fora dos sonhos, cujo enredo só ela sabia. Eram paragens que sequer imaginávamos como seriam.
Naquela madrugada, talvez pela força do vento, caiu a imagem do santo de sua devoção, juntamente com o vaso de margaridas, espatifando-se ambos.    O amanhecer , no entanto, chegou  pleno de azul, e Marta parecia sorrir, como se abrisse os  braços para o mundo. Os olhos já  não miravam o vazio.
  Pedro conseguira, enfim,  transpor  a barreira do tempo e do espaço  e, delicadamente,  a conduzia  para outra dimensão, ali, onde ela, de fato,  sempre fora  feliz. De mãos dadas, atravessaram o grande portal . Do  outro lado  da margem, enternecida, ainda ouvia vozes que a chamavam:  " -    Marta....Marta .... "
                    Seguindo o caminho, não olhou para trás.