Sententia est

Era uma noite como outra qualquer. Bela, por sinal. Lua cheia, céu estrelado. Nem fria, nem quente. Normal.

Pelo menos me parecia normal.

Estava curtindo a noite, pois não havia nada para se fazer em casa.

Passei pelas praças, avistei belíssimas paisagens e dirigi-me ao meu lugar preferido da cidade: O Parque Columba.

Gostava de ir lá, principalmente pela noite, para deitar-me naquela agradável grama e olhar as estrelas.

Ah! Para mim, não há nada mais bonito que olhar as estrelas.

Estava eu, deitado no parque observando aquele belíssimo céu estrelado. Resolvi sentar-me um pouco e apreciar a bela paisagem ao meu redor.

De repente, avistei uma menina, usando um capuz vermelho, correndo desesperadamente para o bosque que havia ali.

“Mas o que uma menina irá fazer nesse bosque escuro e deserto a essa hora?” – Pensei, confuso também pelo fato de ela estar desesperada.

Adentrei o bosque, cuidadosamente, a fim de descobrir o que aquela menina teria ido fazer lá.

Fui caminhando levemente, para que ela não ouvisse meus passos.

Ouvi uns barulhos esquisitos que mais pareciam cochichos, um pouco distante de mim.

Aproximei-me, agora mais curioso que antes, pois agora sabia que a menina não estava sozinha.

Fui caminhando lentamente, até que, ao longe, avistei a menina do capuz vermelho. Continuei caminhando, com mais cuidado, pois não queria que ela me visse.

Os cochichos iam ficando mais altos.

Ao chegar bem próximo do local onde estava a menina do capuz vermelho, certifiquei-me de que realmente ela não estava sozinha. Havia mais dezenas de crianças, e todas usando o mesmo capuz vermelho.

Não me contendo de curiosidade, fiquei as observando.

Então, descobri que o que eu havia escutado não eram cochichos, mas sim preces.

Estavam todas as crianças ajoelhadas, com os braços esticados para frente, com a cabeça e os braços encostados no chão, e fazendo várias preces.

Elas falavam baixinho, e não dava para ouvir o que elas estavam dizendo.

Uma vez ou outra, alguma delas gritava algo que parecia ser outra língua.

Entendi então, que aquilo era um ritual. Mas eu só não sabia para que.

Confesso que senti um pouco de medo.

A uma certa hora, todas começaram a rezar alto. E sim, era uma outra língua. Uma língua que eu nunca tinha ouvido antes.

De repente, todas as crianças dividiram-se em duas filas organizadas e foram caminhando em uma sintonia perfeita, para o outro lado do bosque.

“Mas o que essas crianças estão fazendo?” – Pensei, ainda mais confuso do que antes.

Segui aquelas crianças. Sabia que não dormiria se não descobrisse o que aquelas crianças foram fazer naquele bosque.

A um certo ponto do bosque, as duas primeiras crianças das filas foram buscar algo que estava jogado ali.

Algo comprido, enrolado em um saco preto.

Parecia-me um corpo humano. Suei frio.

Pensei em voltar para minha casa, mas já tinha ido longe demais. Não podia desistir de descobrir. Continuei seguindo-as.

Chegamos a um local onde, em toda a minha vida, eu só havia visitado uma vez, e foi de manhã. Sempre tive medo de adentrar naquele bosque. O achava assustador.

Naquele local havia um lago. Havia pessoas da cidade que podiam jurar barbaridades sobre aquele local.

Contavam que, há muitos e muitos anos atrás, havia uma seita desconhecida, e que seus membros matavam crianças e ofereciam a seus deuses em troca de dinheiro e juventude. E diziam que os membros dessa seita foram exterminados um a um, não se sabe por quem.

Nunca acreditei nessas coisas. Mas a minha opinião estava prestes a mudar...

O saco preto foi aberto, confirmando minhas suposições. Realmente era um corpo humano.

O corpo pertencia a um homem magro, alto, de cabelos negros, e que agora estava mais branco que uma vela.

As crianças ajoelharam-se novamente, e fizeram uma nova prece.

As mesmas quatro crianças que pegaram o corpo, jogaram-no no lago, sem nenhuma piedade.

Agora, eu tremia muito e continuava suando frio. O medo já havia tomado conta de mim.

Gritei, assustado.

“Era a última coisa que eu poderia fazer nesse momento” – Pensei, enquanto entrava em pânico.

Naquele momento, todas as crianças olharam para trás. Seus olhos estavam vermelhos, da cor dos capuzes.

Achava que não dava para ficar mais assustado do que eu já estava. Mas naquele momento eu percebi que dava sim.

Corri desesperado, tropeçando nas pedras e levantando mais que rapidamente, pois não queria morrer ali.

Todas as crianças correram atrás de mim.

E eu corria, como nunca tinha corrido antes. Continuei correndo, até que tropecei em uma pedra e bati de cabeça no chão.

“Já era...” – Pensei, tentando levantar-me. – “Aquelas crianças irão me matar!”

Foi quando vi aquela multidão aproximando-se de mim, com aqueles olhos vermelhos que transmitiam ódio e maldade.

Desmaiei, assustado.

Ao acordar, tive um pouco de dificuldade para abrir meus olhos. E quando finalmente consegui abri-los, preferi não tê-los feito.

Enquanto era para eu estar deitado naquela agradável grama do parque, apenas observando as estrelas, eu estava deitado no meio daquele bosque assustador, com dezenas de crianças medonhas a minha volta.

Agora eu fazia parte do ritual. E sabia que seria a próxima vítima.

Estava fraco, mal conseguia mexer meus braços ou até mesmo gritar por socorro.

Elas terminaram a prece. Quatro crianças pegaram-me pelos braços e pernas, e arrastaram me em direção ao lago. Aquele mesmo lago que muitos deles foram jogados há muitos e muitos anos atrás.

Não conseguia gritar. Não conseguia mexer-me.

Estava à beira do lago, quando senti uma forte paulada na cabeça.

Mataram-me.

Eu, que nunca fui capaz de fazer mal a uma criança, agora estava morto, sendo jogado no lago, para vingar a morte de muitas outras crianças que um dia também foram incapazes de fazer algum mal a alguém.

Paula Macedo
Enviado por Paula Macedo em 15/05/2008
Código do texto: T990888
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